Para quem sabe passar pela vida, a estrada pode ser mais bonita, e as paisagens mais agradáveis. Não sei como foi que a frase saiu assim. Mas sempre usei muito o ato de dirigir para estabelecer analogias com o viver. Quem nunca dirigiu terá mais dificuldades de entender estas coisas. Mas, conseguir “viver” cada viagem, cada trecho de caminho, cada escolha de opção quanto a chegar ao destino final, quando parar para se refazer, pode deixar lições que poucas outras atividades deixarão.
Aprendemos, por exemplo, a olhar muito à frente, quanto mais à frente melhor e mais seguro. É como, a cada momento, independente do que se passa em nossa mente, o subconsciente vai nos alertando quanto às manobras, à velocidade a ser mantida, aumentada ou reduzida, quanto a uma possível ultrapassagem ou freada. E, mais que tudo, na estrada como na vida, ultrapassar é uma arte. Há que se ter boas noções de matemática, avaliando fatores tempo x velocidade x distância disponível para concluir a manobra.
Aprendemos que o retrovisor é apenas um referencial adicional. Vai servir para termos a certeza de que nada do que nos segue, ou do que deixamos para trás, poderá interferir com nosso seguir adiante. Aprendemos a nos planejar minimamente. A verificar “companheiros” de viagem que, uma vez falhando, ou faltando, poderão até impedir-nos de ir á frente. E assim, muitas vezes com certa contrariedade, revisamos freios, qualidade e calibragem dos pneus, correias, combustível, água, óleo, e mais alguns itens.
À medida que crescemos, que vamos nos transformando em seres pensantes, que tomam suas decisões, aumenta também o peso de nossas obrigações, de nossos deveres, com os outros, com a sociedade, e com nós mesmos. Um esquecimento, uma distração, um relaxar com algo importante, na viagem, no dirigir, ou na vida, em nosso dia a dia, pode trazer sérias e definitivas consequências. E, neste raciocínio, foi que, ao longo de muitos anos, passando em muitos lugares, convivendo, com muitos amigos, ou simples colegas, fiz uso de minhas analogias.
Mas porque falo sobre “a arte e a felicidade do reencontro”? Porque, a cada vez que atingimos uma meta, a cada vez que concluímos uma etapa, a cada viagem e a cada chegada, estamos a nos reencontrar. Em resumo, comecei minha “viagem”, a planejei bem, percorri os caminhos, sejam eles aqueles que tracei, ou os que foram reprogramados de acordo com os imprevistos, e cheguei ao ponto previsto. É o reencontro comigo mesmo! E é também um momento de felicidade e realização. É deixar-se tomar pela sensação de missão cumprida.
Então, divagações à parte, hoje foi um dia de reencontro. Em rápidos momentos, levado por um telefonema, repassei alguns anos e belos tempos das estradas que percorri e me trouxeram aonde cheguei. Liguei para uma amiga com quem não conversava, e a quem não vejo, há mais ou menos trinta anos! E Maria Izabel reconheceu minha voz! Falou, entre risos: - Como posso não reconhecer o Júlio Iglézias dos pobres? Foi fantástico! Gargalhei! Bom saber que temos algumas marcas registradas. De fato, minha voz, meu jeitão de falar, é uma destas.
Durante alguns minutos repassamos uma enorme saudade e a felicidade do reencontro! O filme, de tempos passados, cheio de cenas, ora hilárias, ora de confidências, mas de muito, muitíssimo carinho, rodou de imediato. Não sabia se ia encontrar do outro lado da linha uma mulher mãe ou avó. Não sabia se ia encontrar sua alegria característica, marca maior em sua risada gostosa, ou se a escutaria acanhada. Não sabia se sequer lhe causaria alegria voltar a falarmos, quiçá não se recordasse de mim tão bem quanto eu dela.
Mas, não! O tempo foi curto demais para que pudéssemos relembrar tudo. Dos dias de trabalho, pois éramos companheiros de empresa, junto com Arnon, hoje um menino-avô, com sua cara constantemente alegre, com seu olhos que passavam malandragem e, ao mesmo tempo, uma confiança e lealdade inigualáveis. Dos fins de tarde, quando, em Maceió, ao terminar o expediente, caminhávamos pelas ruas, sem nos importarmos com aonde estávamos ou aonde íamos. O importante era estarmos juntos, a “trinca dos fortes”, como nos auto denominávamos.
Gargalhamos juntos quando lhe contei que Arnon e eu a tratávamos por “menina veneno”, já que, de certa forma era a musa em nosso trio. Maria Izabel chegava trazendo alegria, lépida, agitada e agitando, falante, cantante. E encantava a todos com sua forma descontraída e leve. E a nós, a Arnon e eu, encantava mais que aos demais, pois éramos seu amigos, seus companheiros de proza, e nos considerávamos seus protetores. De fato, na medida do possível, a protegíamos. Sua alegria a expunha, sua leveza causava ciúmes em quem a via sempre radiante.
E, no entanto, conhecíamos um pouco de sua vida, pedaços de suas preocupações, retalhos de seus anseios, um pouco de seus sonhos. E, neste sentido, sendo homens, a protegíamos, ora com uma conversa descontraída, mas cheia de verdades, ora passando-lhe o afeto que percebíamos necessitar. Mas – acredito – mais que protegê-la, lhe passávamos gás! Não havia como não rirmos quando juntos. Ela era Dona Flor, nós seu dois maridos. E, sem qualquer envolvimento, além de um enorme bem querer, aquele amor que se tem de graça por alguém, a fazíamos mais feliz quando juntos.
Por alguns poucos anos, até que voltei para o sul, caminhamos juntos, quando nos era possível. Algo assim, como dar-se as mãos, mesmo estando longe. Algo assim como a consciência de saber-se amado mesmo quando não dito. Mas, nossa estradas nos afastaram. Nunca deixei de ter, de alguma forma, contato com Arnon, que me é como que uma mistura de filho, irmão mais jovem e amigo, mas grande amigo! Já, de Maria Izabel havia perdido os contatos. Contudo, sem nunca perdê-la em minhas lembranças e alegrias. Que, na verdade, saudade é um tipo de amor à distância.
Hoje a reencontrei! E desliguei o telefone cheio de felicidade! Felicidade autêntica, por ter feito minha viagem deixando boas marcas por onde passei. Boa viagem, porque ao falar com ela, foi como se continuássemos a conversa de ontem! Conversas, música, trabalho, bares, caminhadas pela orla ou pelo centro, noites de longas conversas, troca de muito viver! A você Bel, “menina veneno”, mais um beijo enorme, além do que lhe falei ao telefone! E beije o Arnon por mim! Como disse Guilherme Arantes... foi tão bom te conhecer, fácil de querer.... E, o melhor de tudo, te reencontrar hoje!
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