quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Amor. Amor? Amor! II


Talvez esteja na hora de pensarmos nos modos e nas forças do amor. Para muitos, a idéia de que o amor é uma possibilidade real traz esperanças a uma vida que, do contrário, seria vazia. O respeito mútuo, a delicadeza, a bondade, e a confiança, podem, por acaso, abalar um relacionamento? O amor tem o poder de unir sem tirar a dignidade de outra pessoa, sem roubar seu próprio eu. O amor mantém a soberania e coloca tudo acima de ideologias ou raças. É o amor que fornece energia necessária para sobrepujar problemas e amainar desesperos”. (Leo Buscaglia, Escritor ítalo – americano) 

Todos os conceitos sobre amor e vida, sejam os herdados dos chineses, dos povos da Índia, do Taoísmo, do Japão, apenas para citar alguns dos mais difundidos até hoje, abordam com detalhes o sexo e o prazer dele advindo como fontes inesgotáveis do equilíbrio, da satisfação e impulsionadores de longa vida e permanência dos casais. E, sem exceção, indicam que o homem deve ser o responsável maior pelas preocupações em conseguir que a mulher sinta-se preparada e disposta.

O fascínio pelo sonho de um amor eterno continua presente em homens e mulheres de todo o planeta. Mas, ao contrário do que desejariam os que embarcam no sonho, a união perfeita, com freqüência, dá origem a todo tipo de processos de separação e divórcios, que lotam as varas cíveis e os consultórios de psicólogos e psiquiatras. Como explicar, então, o fato de que os casamentos continuam em alta, ao mesmo tempo em que as estatísticas apontam para um número cada vez maior de separações?

Sem emoção e cumplicidade entre os parceiros, o casamento se transforma num contrato a ser cumprido, onde as partes já não se dão ao trabalho de perceber os sentimentos e desejos do outro. Faltam amor e sabedoria na receita desses casamentos, onde os ingredientes colocados na relação não satisfazem às expectativas da vida a dois. Este quadro de frustrações, ressentimentos e falta de comunicação é o cenário perfeito para o princípio dos desentendimentos.

Que cada um deixe o ressentimento de lado e assuma a sua parcela na responsabilidade pelo fato. Ter consciência das próprias atitudes é o melhor modo de se tornar capaz de agir a seu favor. Onde foi que você deixou de investir na relação, tornou-se mais preocupada(o) com a vida prática, se descuidando da importância do sexo e do entendimento entre vocês?

Você, mulher, torne-se novamente sedutora, e busque reconquistar o relacionamento a cada dia. Faça uma auto-análise e perceba em que andou falhando. Proponha-se a mudar o seu comportamento negativo sem medir esforços para isso.

Você, homem, seja autêntico, tenha consciência de que é o responsável pelas suas realizações. Nenhuma mulher consegue atender “todas” as expectativas do homem. Coloque o orgulho de lado, abandone o machismo e não se deixe abater por preconceitos. Assuma a sua parte nessa situação e se proponha a recomeçar. Onde foi que você deixou de entrar em contato com os sentimentos da sua mulher, de dar-lhe carinho e atenção, ou de seduzi-la antes e além de fazer sexo?

Amor só pode funcionar quando abrimos mão de normas que continuam a nos paralisar. É preciso desafiar os preconceitos, que classificam o amor como uma tolice romântica, idealista, não intelectual. Precisamos buscar e aceitar o amor, como uma força universal, algo que unifica e promove o bem, acessível a todos que, de fato, o desejarem. Se conseguirmos perceber que o amor tem o poder de afastar mesquinharias que separam as pessoas, que é possível descobrir, através dele, que todos têm um coração, teremos dado o primeiro passo para a busca da felicidade e do entendimento.

Muitos são os ricos e os famosos que não viveram o verdadeiro amor. Terão deixado seu nome em autógrafos e documentos, mas, certamente, viveram emoções menores do que aqueles que escreveram seus nomes em alguns poucos corações, mas que guardaram lembranças vívidas e nítidas dos momentos de amor em que tomaram parte. Estas sim são lembranças que ficam gravadas de forma indelével, permanecendo ao longo dos tempos.

Romances são exemplos significativos do poder de amar. Porque nos levam a entender que palavras como desespero e impossível não têm significado quando se ama. O amor transcende parâmetros sociais e religiosos, com o que, passar pela vida, sem viver um verdadeiro amor, é abrir mão de uma das experiências mais desafiadora, mas também mais satisfatória da existência humana. Nós, humanos, temos uma instintiva necessidade de conviver. E, por estarmos sempre rodeados de gente que conhecemos casualmente, ou fruto de convívio fortuito, chamamos a uns de amigos, a outros de amor, quando são apenas conhecidos.

Ter um amigo, desfrutar de um amor, é diferente. É algo mais sagrado. Implica no conhecimento, no compromisso de duas pessoas, mesmo que por um período de tempo, através do convívio com conflitos, alegria, infelicidade e mudanças. Implica em esforço constante, cuidado e atenção. E, a maioria das pessoas, ainda que não o aplique, sabe que a melhor forma de ter amigos é sendo amigo. A melhor forma de encontrar o amor é dando amor. Mas que é necessário trabalhar com afinco para identificar e fortalecer os elos destas correntes.

 

 

 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Arte e a Felicidade dos Reencontros II



Em 1935/6, meu pai estava, junto com Jorge Amado, Graciliano Ramos, Prestes, Carlos Mariguela, Apolônio Soares de Carvalho, Agildo Barata, Luis Carlos Prestes, e tantos outros, preso na Casa de Detenção Frei Caneca. Olga Benário então grávida de sua filha, que será chamada Anita Leocádia, convive no “inferno” para eles preparado. Logo depois, seria entregue aos nazistas por Filinto Muller (Chefe de Polícia de Getúlio, grande introdutor da Tortura nas hostes brasileiras, e, anos antes, desligado - por covardia - da Coluna Prestes). Era um período de grandes perseguições. Militares, militantes, intelectuais, estudantes, fosse quem fosse que julgassem contra o poder - primeiros passos do Estado Novo, a Ditadura de Getulio - era detido e encarcerado sem direitos de defesa.

Meu pai, José Gay da Cunha que, entre outras coisas, desenhava bem, ajudou a traçar os desenhos das pequenas roupas, que Olga bordava na prisão, enquanto – entre outros fatos marcantes da barbárie – Mariguela sofreu brutais torturas (diz-se que só sobreviveu por se tratar de um “tanque” de tão forte), e Prestes, considerado o chefe da “Intentona”, foi mantido em uma cela “solitária” por tanto tempo, que o grande Jurista Sobral Pinto apelou a Getúlio Vargas, Presidente da República, não eleito pelo voto, para que o liberasse, baseando suas alegações jurídicas na Lei de Proteção aos Animais.

Em final de 36 meu pai e a maioria de seus companheiros são liberados, o que o leva a se exilar – junto com muitos outros, inclusive familiares, como os Flores da Cunha – no Uruguai, de onde, tempos após, parte para a Espanha, como Voluntário, para integrar-se à luta contra as tropas golpistas do General Franco. Na mesma empreitada, viajam Costa Leite, Apolônio de Carvalho, Hermenegildo de Assis Brasil, José Homem Correa de Sá, Elcy e Delcy Silveira, Homero Jobim e outros, que totalizam 41 brasileiros.

Últimos meses de 39, volta à América, derrotados que foram na Espanha, Uruguai novamente. Em Montevideo, trabalhando no Porto, no desmonte de um navio, meu pai conhece minha mãe, através de um amigo comum, o escritor Ivan Correa Lins (se não me falha a memória), quando ela (pianista, e com 19 anos) vai se apresentar na capital Uruguaia. Ainda que se dividissem nos encontros entre a capital uruguaia e Buenos Aires, aonde Eugenia reside, o amor atropela o tempo, e se casam poucos meses depois.

Já 1941/42, primórdios da Segunda Grande Guerra, uma “anistia geral” é anunciada por Getúlio Vargas, convocando todos os brasileiros a retornarem. Meus pais vem para o Brasil, quando ele é preso e enviado à Ilha Grande, então Presídio Político, para cumprir a pena de oito anos a que haviam sido condenados, ele e seus companheiros, por um tribunal que em si já fora uma fraude. E é neste período, ano de 42, que – já com um filho – minha mãe começa a visitá-lo. Aqui aparece a figura de James Amado, jovem e amigo, irmão de Jorge Amado, que a recebe quando vem ao Rio, ajudando-a a se locomover, para poder chegar a Mangaratiba e à Ilha Grande.

-o-o-o-o-o-o-

Passam-se muitos anos. Estou trabalhando como Corretor de Imóveis, o ano é 2011, o mês junho. Ainda que trabalhe predominantemente  entre os bairros da barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, dispomos de um esporádico imóvel à venda em Copacabana, na Rua Duvivier. Atendo uma ligação de alguém interessado, uma senhora de nome Inaê, residente em Brasília, em vias de mudar-se para o Rio de Janeiro. Após trocarmos informações que nos situam mutuamente quanto ao solicitado por ela e o que o imóvel oferece, marcamos de nos encontrarmos em Copacabana no sábado pela manhã.

São 11:00 horas, já passam 30 minutos da hora marcada, e Sra. Inaê não chega ao local. Aviso a proprietária sobre seu atraso. E, olhando para a Av. Nsa. Sra. De Copacabana, julgo vê-la. A pessoa que se aproxima bate com a descrição que me foi dada ao telefone. Aproxima-se: - Victor? – Sim, respondo. Inaê? E lhe aperto a mão, quando percebo, ao observar seu braço, que está ferida. Algo leve, como um arranhão, mas que se vê ser recente. – O que houve? Você está machucada!  - Nada demais, me diz ela. Cai ao subir na calçada aqui perto. Depois verei o que faço.

- Já a esperei um pouco! Nada disso. Vamos a uma farmácia e, depois, voltamos para ver seu apartamento. Não se preocupe com a hora. A proprietária nos aguardará. Trata-se de uma senhora com idade avançada, é o que lhe falo, e a percebo acatar sem maiores reações. Caminhamos até a farmácia mais próxima, Inaê se medica e – finalmente – efetuamos a visita ao imóvel da Duvivier. Dona Iza, a dona, gentil como sempre, pintora que é, possui um espaço grande em sua casa, que usa como ateliê.

-Gostei do apartamento Victor, me fala Inaê, já no elevador, enquanto descemos à rua. Agora vou combinar com meu marido e marcar outro dia para que ele possa também opinar. E, saindo do prédio, atravessamos a rua e passamos por um vendedor de livros usados, estes espalhados pela calçada. – Sabe Victor? É isto que me encanta no Rio! Esta coisa de cultura, de música, de literatura... veja só, ainda que velhos, ainda que já lidos, mas são livros... e eu curto isto. Leio muito, tenho um tio escritor.

- Bem, estamos então começando a encontrar afinidades. Também li e leio muito, sou de uma família de muitos irmãos, tínhamos biblioteca em casa. E era eu que cuidava dos livros. Gosto de escrever, coisa que aprendi com meu pai, escritor também, e por um bom tempo, cronista político de um jornal do sul. Como não podia usar o próprio nome, escrevia como André Villard. Foi um homem de esquerda. Sofreu perseguições... vivemos no exílio... minha mãe, pianista, e mulher de grande cultura, tornou-se a companheira aguerrida de uma vida inteira. Assim, fomos uma família em que literatura, música e política faziam parte de nosso dia a dia.

Fui interrompido por Inaê: - Estranho Victor, eu nunca havia comentado com ninguém que era sobrinha de um escritor. Não sei porque isto me saiu assim hoje.... resolvi perguntar-lhe então como chamava seu tio. – Jorge Amado, respondeu-me! o que me levou a parar de imediato. – Espere um pouco Inaê! Você é filha do James Amado? exclamei. – Sim, é meu pai! ...agora ela demonstrava certo espanto. – Mas como você pode saber disso? fiquei olhando-a por alguns instantes. O que me vinha à mente parecia um redemoinho de sentimentos e de parte de nossa história, a história de meus pais.

Eu estava emocionado! Minha cabeça rodava buscando datas e nomes. E, só o que me saiu, olhando-a cheio de alegria e estupefação, foi: - Inaê, nós nos conhecemos antes de nascer! ... Já lhe explico. Seu pai está vivo? – Sim, mora em Salvador... casou de novo... sua esposa é filha do Graciliano Ramos, outro escritor.... Não pude deixa-la continuar. – Vou ligar para minha mãe! Era seu pai, ainda rapaz, que em 1942 recebia minha mãe aqui no Rio, quando ela vinha visitar meu pai, preso na Ilha Grande! Isto não lhe diz nada? e continuei: - Graciliano Ramos esteve com eles, seu tio e meu pai, na Frei Caneca... em “Memórias do Cárcere” fala muito de José Gay da Cunha, meu ´pai.....

Em poucos minutos, havíamos ligado para minha mãe, em São Paulo, e Inaê pode falar com ela a respeito do pai, James, a quem não via há quase 70 anos! E, logo depois, Inaê ligou para ele, em Salvador, comentando sobre nosso inacreditável encontro. Ambos tinhamos os olhos marejados e os corações invadidos por uma inédita e repentina felicidade. O mundo é menor do que pensamos. Como podia o destino ter-nos colocado, assim, frente a frente, nós dois, elos afastados de uma longa corrente de solidariedade? Que ventos carregam nossos destinos e os jogam em uma nova cena decorridos tantos anos?

Em Julho, em um sábado, no Restaurante Fiorentina, reunimos nossa família para os 90 anos de minha mãe, nossa Mamita, cujo nome é Eugênia. E ali, no restaurante, filhos netos, sobrinhos, amigos muitos, vivemos um dos momentos mais emocionantes, quando chegaram Inaê e o esposo. Ou quando chegou Victor Biglione, meu primo, filho da irmã mais nova de minha mãe, abraçando-a aos prantos, sem conseguir que lhe saissem palavras para traduzir-lhe tudo que mostrava sentir. Sorrimos, cantamos, choramos todos, nos abraçamos, e festejamos a emoção, grande emoção, de mais um reencontro... de quase 70 anos!

Assim são nossas vidas, amiga Inaê Amado! Quando as sabemos viver, quando somos parte daqueles que nunca abandonam a trilha dos sonhos e ideais. Algo maior existe, que nos mantém próximos, mesmo quando nem sabemos da existência uns dos outros! E constatamos que estivemos, estamos e estaremos sempre juntos! Acredito em energia. Na energia do ideal, na energia da dignidade, na energia da lealdade, na energia da solidariedade, na energia do sonho que não envelhece, na energia da entrega ás lutas válidas, que - somadas - significam sermos mensageiros do amor!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A arte e a felicidade dos reencontros / Maria Izabel


Para quem sabe passar pela vida, a estrada pode ser mais bonita, e as paisagens mais agradáveis. Não sei como foi que a frase saiu assim. Mas sempre usei muito o ato de dirigir para estabelecer analogias com o viver. Quem nunca dirigiu terá mais dificuldades de entender estas coisas. Mas, conseguir “viver” cada viagem, cada trecho de caminho, cada escolha de opção quanto a chegar ao destino final, quando parar para se refazer, pode deixar lições que poucas outras atividades deixarão.

Aprendemos, por exemplo, a olhar muito à frente, quanto mais à frente melhor e mais seguro. É como, a cada momento, independente do que se passa em nossa mente, o subconsciente vai nos alertando quanto às manobras, à velocidade a ser mantida, aumentada ou reduzida, quanto a uma possível ultrapassagem ou freada. E, mais que tudo, na estrada como na vida, ultrapassar é uma arte. Há que se ter boas noções de matemática, avaliando fatores tempo x velocidade x distância disponível para concluir a manobra.

Aprendemos que o retrovisor é apenas um referencial adicional. Vai servir para termos a certeza de que nada do que nos segue, ou do que deixamos para trás, poderá interferir com nosso seguir adiante. Aprendemos a nos planejar minimamente. A verificar “companheiros” de viagem que, uma vez falhando, ou faltando, poderão até impedir-nos de ir á frente. E assim, muitas vezes com certa contrariedade, revisamos freios, qualidade e calibragem dos pneus, correias, combustível, água, óleo, e mais alguns itens.

À medida que crescemos, que vamos nos transformando em seres pensantes, que tomam suas decisões, aumenta também o peso de nossas obrigações, de nossos deveres, com os outros, com a sociedade, e com nós mesmos. Um esquecimento, uma distração, um relaxar com algo importante, na viagem, no dirigir, ou na vida, em nosso dia a dia, pode trazer sérias e definitivas consequências. E, neste raciocínio, foi que, ao longo de muitos anos, passando em muitos lugares, convivendo, com muitos amigos, ou simples colegas, fiz uso de minhas analogias.

Mas porque falo sobre “a arte e a felicidade do reencontro”? Porque, a cada vez que atingimos uma meta, a cada vez que concluímos uma etapa, a cada viagem e a cada chegada, estamos a nos reencontrar. Em resumo, comecei minha “viagem”, a planejei bem, percorri os caminhos, sejam eles aqueles que tracei, ou os que foram reprogramados de acordo com os imprevistos, e cheguei ao ponto previsto. É o reencontro comigo mesmo! E é também um momento de felicidade e realização. É deixar-se tomar pela sensação de missão cumprida.

Então, divagações à parte, hoje foi um dia de reencontro. Em rápidos momentos, levado por um telefonema, repassei alguns anos e belos tempos das estradas que percorri e me trouxeram aonde cheguei. Liguei para uma amiga com quem não conversava, e a quem não vejo, há mais ou menos trinta anos! E Maria Izabel reconheceu minha voz! Falou, entre risos: - Como posso não reconhecer o Júlio Iglézias dos pobres? Foi fantástico! Gargalhei! Bom saber que temos algumas marcas registradas. De fato, minha voz, meu jeitão de falar, é uma destas.

Durante alguns minutos repassamos uma enorme saudade e a felicidade do reencontro! O filme, de tempos passados, cheio de cenas, ora hilárias, ora de confidências, mas de muito, muitíssimo carinho, rodou de imediato. Não sabia se ia encontrar do outro lado da linha uma mulher mãe ou avó. Não sabia se ia encontrar sua alegria característica, marca maior em sua risada gostosa, ou se a escutaria acanhada. Não sabia se sequer lhe causaria alegria voltar a falarmos, quiçá não se recordasse de mim tão bem quanto eu dela.

Mas, não! O tempo foi curto demais para que pudéssemos relembrar tudo. Dos dias de trabalho, pois éramos companheiros de empresa, junto com Arnon, hoje um menino-avô, com sua cara constantemente alegre, com seu olhos que passavam malandragem e, ao mesmo tempo, uma confiança e lealdade inigualáveis. Dos fins de tarde, quando, em Maceió, ao terminar o expediente, caminhávamos pelas ruas, sem nos importarmos com aonde estávamos ou aonde íamos. O importante era estarmos juntos, a “trinca dos fortes”, como nos auto denominávamos.

Gargalhamos juntos quando lhe contei que Arnon e eu a tratávamos por “menina veneno”, já que, de certa forma era a musa em nosso trio. Maria Izabel chegava trazendo alegria, lépida, agitada e agitando, falante, cantante. E encantava a todos com sua forma descontraída e leve. E a nós, a Arnon e eu, encantava mais que aos demais, pois éramos seu amigos, seus companheiros de proza, e nos considerávamos seus protetores. De fato, na medida do possível, a protegíamos. Sua alegria a expunha, sua leveza causava ciúmes em quem a via sempre radiante.

E, no entanto, conhecíamos um pouco de sua vida, pedaços de suas preocupações, retalhos de seus anseios, um pouco de seus sonhos. E, neste sentido, sendo homens, a protegíamos, ora com uma conversa descontraída, mas cheia de verdades, ora passando-lhe o afeto que percebíamos necessitar. Mas – acredito – mais que protegê-la, lhe passávamos gás! Não havia como não rirmos quando juntos. Ela era Dona Flor, nós seu dois maridos. E, sem qualquer envolvimento, além de um enorme bem querer, aquele amor que se tem de graça por alguém, a fazíamos mais feliz quando juntos.

Por alguns poucos anos, até que voltei para o sul, caminhamos juntos, quando nos era possível. Algo assim, como dar-se as mãos, mesmo estando longe. Algo assim como a consciência de saber-se amado mesmo quando não dito. Mas, nossa estradas nos afastaram. Nunca deixei de ter, de alguma forma, contato com Arnon, que me é como que uma mistura de filho, irmão mais jovem e amigo, mas grande amigo! Já, de Maria Izabel havia perdido os contatos. Contudo, sem nunca perdê-la em minhas lembranças e alegrias. Que, na verdade, saudade é um tipo de amor à distância.

Hoje a reencontrei! E desliguei o telefone cheio de felicidade! Felicidade autêntica, por ter feito minha viagem deixando boas marcas por onde passei. Boa viagem, porque ao falar com ela, foi como se continuássemos a conversa de ontem! Conversas, música, trabalho, bares, caminhadas pela orla ou pelo centro, noites de longas conversas, troca de muito viver! A você Bel, “menina veneno”, mais um beijo enorme, além do que lhe falei ao telefone! E beije o Arnon por mim! Como disse Guilherme Arantes... foi tão bom te conhecer, fácil de querer.... E, o melhor de tudo, te reencontrar hoje!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Dignidade? Há como desenvolvê-la?


                Só quando compreendemos nosso valor como seres humanos, quando descobrirmos nosso espaço, quando nos reconhecermos como portadores de potencial intelectual e afetivo, é que podemos começar a desenvolver o senso de dignidade. Nem todos transmitem esta mensagem. Dependendo dos problemas e das dificuldades enfrentadas, nos convencemos de que não possuímos o necessário para enfrentar a vida. Poucos são os que nos animam a tentar, a arriscar. Raros nos mostram que somos especiais ou nos abrem perspectivas para que enxerguemos nossos eus não descobertos.

                Precisamos descobrir o que sucedeu com nosso orgulho. Não o orgulho que diz respeito à arrogância e vaidades. Não o orgulho que serve para incentivar a auto-importância, mas aquele que ajuda a elevar o auto-respeito, altas expectativas e valores maiores em relação a nós mesmos, que nos traz uma consciência adequada de nosso próprio mundo. Orgulho de cuidar de nosso recanto mais pessoal, de sentir-nos bem com o que possuímos, de buscar e criar alegria em tudo que nos rodeia, de sorrir para todos, de refletir o que somos.

                Porque alguém junta lixo na rua e o deposita em algum local adequado? Porque alguém planta uma árvore em sua rua, ou quintal? E porque a cuida, para que cresça viçosa? Porque a poda, caso seus galhos tomem formas ameaçadoras? E porque aduba o solo em sua volta, se preciso? Quiçá o faça, e é bem provável que assim seja, porque tem orgulho do lugar em que vive. E, se quiser que continue belo e respeitado, e admirado pelos outros, continuará a fazê-lo.  Atitudes deste tipo refletem nos outros.

                Mas, o mais importante, é que, quem age assim, o faz por si mesmo. Tratam-se de gestos que transmitem, nem sempre de forma consciente, o que desejamos mostrar que somos. Mas o fazemos, principalmente, pensando em nós mesmos. Não há que se importar em primeira instância se dão ou não importância àquilo que demonstramos ser. Sabemos que é mais fácil criticar do que construir, então, sejamos construtores. Este é o primeiro passo para que nos orgulhemos de nós mesmos.

                Poucos entendem que felicidade é algo que exige trabalho e dedicação. Todos nos queixamos de trabalhar muito, mas é o tédio que gera apatia e tristezas. A rotina cansa mais que a ocupação, já que esta nos mantém alerta, nos ajudando a crescer e manter a dignidade. A inatividade deprime, e gera um tempo cada vez maior e mais cansativo de enfrentar. Nosso interesse desaparece quando não possuímos motivação para levantar. As horas passam a ser um pesado fardo a carregar. Não basta ter família, amigos, alguns bens e dinheiro.

                Devemos sentir-nos produtivos. Ter uma atividade recompensa, nos aproxima de pessoas, nos traz a vida de volta, exige experimentar coisas novas, e deixa a sensação de recebermos algo em troca. E o homem é um ser que necessita sentir-se recompensado. Só pensar, planejar e sentir, não resulta em benefício se não traduzir uma finalidade real de agregar algo. Trabalhar não é um mal necessário. A vida ganha verdadeiro significado, os prazeres propiciados ganham sabores distintos, gerando animação e resgatando a dignidade.

                Gostamos de prestar tributos a heróis, talvez por nos inspirarem a agir além de padrões normais. Não lhe ocorre que muitas outras pessoas mereceriam ser reconhecidas por seus feitos, e que nunca terão homenagens? Porque não premiar pais que souberam criar seus filhos? Porque não premiar os avôs, que depois de tantos anos dedicados à criação de seus filhos, dando tudo de si, não se satisfazem em viver à sombra destes, e dedicam-se a lutar por uma vida e por uma sociedade melhor?
 
                Porque não instituir prêmios aos homens simples, que trabalham para manter limpas nossas cidades, para torná-las seguras, para ensinar nossos filhos, muitas vezes em precárias condições, efetuando trabalhos que pouco são notados, nem sempre contando com a estima dos demais, mas que o fazem com dedicação e sucesso. E os artistas, cantores, músicos, escritores, poetas e tantos outros, que mereceriam louvores pelas alegrias tantas que nos passam com sua criatividade.

               Existem políticos, professores, funcionários públicos e profissionais que não honram suas atividades. Estes quiçá apareçam mais na televisão e nos jornais, e quiçá obtenham mais fama e dinheiro com sua forma fraudulenta de agir. Parabenizar a dignidade ajuda a diminuir a desesperança. Enxergar um futuro melhor exige que se planeje sobre princípios de dignidade humana. Valorizar quem é digno, e ser um deles, é a melhor arma para evitar a despersonalização. As qualidades e a reputação têm mais valor que o possível lucro que propiciamos.
 
                Nossos contatos estão cada vez mais restritos, vez que o mundo virtual nos interliga e nos prende, gerando certo vício alienante. Passamos a aceitar a repetição, a apatia e o tédio, criando úlceras e tiques nervosos, além de gerar novos males, devido à falta de movimentos e à ausência de convívio verdadeiro. A verdade é que precisamos uns dos outros. No dia-a-dia não há ainda um substituto para o ser humano. Por maior que seja o número de circuitos e programas, não se fabricam pessoas, nem sentimentos, nem expressões, sejam de dor, sejam de prazer.

                -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Amor e os Tempos Modernos


Vivemos tempos modernos. O mundo passa por mudanças instantâneas, o comportamento de todos é globalmente divulgado, os costumes se alteraram, a cada geração há mais liberdade, no entanto, continuamos a ter grande quantidade de casais que vivem sob um manto de hipocrisia, às vezes de ambos, às vezes de um, tolerado pelo outro, às vezes devido aos medos que ainda existem quanto a sermos julgados por aqueles que nos rodeiam.

Mas, como saber se aquele que nos julga é exemplo do que busca transmitir como conceitos? Como verificar se há autenticidade entre aquilo que diz e aquilo que faz. É comum, de certa forma, nos surpreendermos quando, de repente, um dia, ficamos sabendo que, pessoas que ditam lições de moralismo, são, na verdade, os mais libertinos. Quantas são as mulheres recatadas que conhecemos, a quem já flagramos, sem querer, em “atitudes dúbias”?

E quantos homens “sérios” no convívio tradicional, já nos chocaram com o conhecimento de seus casos amorosos que causaram espanto? Como saber em que ponto está a medida certa para o viver bem? Como saber até onde podemos ir, na busca da felicidade entre duas pessoas? Como medir nossos limites no prazer? Como determinar o que seja certo ou errado entre dois seres que se amam, e que escolheram seguir junto seu caminho?

E como fazê-lo sem cair na rotina e na mesmice de, dia após dia, repetir cenas já vividas? Ninguém possui uma receita exata, mas podemos considerar que é importante buscar. Não há uma lei que defina o segredo. A única lei entre duas pessoas é que tudo é valido, tudo pode, desde que proposto e aceito pelos dois. A vida se apresenta igual para todos. Porque alguns conseguem ser mais felizes que outros?

Quiçá porque tenham a coragem de encarar barreiras, de romper preconceitos, de inovar no amor e em suas formas de vivê-lo. Não devemos, necessariamente, nos sujeitar à hipocrisia que já reinou por muitos anos e por muitas gerações. É preciso que tomemos iniciativas, que tentemos entender os anseios uns dos outros, que provoquemos nossa tendência à acomodação. Que dialoguemos a respeito de necessidades, de desejos, de fantasias e de sonhos, por mais que soem como surreais.

Eu só conheço mulher louca. Pode ser exagerada, maníaca, dramática, fantasiosa, apaixonada, delirante. E fascina a todos! Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. E nossa insanidade tem nome. Chama-se vontade de viver, até a última gota! E, santa, fica combinado, não existe. Mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres e inquietudes, que não deseje mais nada? Só se for louca de pedra! (Martha Medeiros, Psicóloga, colunista da Revista de Domingo, jornal O Globo).

Estar solteira, não significa que não estou apaixonada. Se não estiver sempre amando, eu morro! Acho que o homem ideal é bem-humorado, gentil, que te abre a porta do carro, puxa a cadeira para você sentar, lembra datas. É tolerante, flexível, investe na relação. Nosso tempo é agora! A cada dia, a cada momento, quero aproveitar tudo! Sem ter medo de envelhecer. Isso está na cabeça de cada um.” (Glória Maria, repórter e apresentadora da TV Globo)

As grandes paixões são eternas por suas dificuldades, e quanto maiores os obstáculos, mais sólido seu resultado final. Crises podem ser a melhor ferramenta para o conhecimento mútuo. Os casais discutem para se amar. Quando há sinceridade as pessoas se mostram como são, com seus defeitos e preferências. É preciso discutir com a pessoa amada, objetar com o mesmo entusiasmo com que se apóia. Consome-se muito carvão para fazer funcionar uma locomotiva, Sem fogo, não há energia suficiente para arrastar os pesados vagões da existência.” (Alberto Goldin, Psicanalista, colunista da Revista de Domingo, jornal O Globo).
 
Viver pode ser muito simples, se evitarmos desejar ser o que não somos, mas pode ser mais simples ainda, e mais gratificante, se aprendermos a nos dar um pouco mais, e dialogarmos para sugerir o que buscamos e esperamos uns dos outros. Para isso, temos que admitir nossos instintos e tentar não esconder o lado “animal” que carregamos, o que não quer dizer afrontar com a rudeza, mas aceitar-nos e mostrar-nos como somos, no mais íntimo de nossos sentimentos e reações, expondo todas nossas fragilidades e virtudes.

sábado, 19 de janeiro de 2013

O amor como algo maior


                A sociedade suspeita dos que amam. Há certa postura de desprezo, como se os apaixonados fossem ingênuos e irrelevantes, um tipo de impostores. Com o passar do tempo, com a evolução das tecnologias, com o avanço das comunicações e banalização dos sentimentos, as qualidades do amor, como ternura, compromisso, generosidade, cuidado e confiança, foram relegadas a um patamar secundário. Como poucos conseguem crescer no amor, prefere-se o desprezo aos que o conseguem.

                Os modernismos minimizam as buscas do amor. Ninguém pode negar que chegamos a um ponto crítico. Entender que o mundo pode melhorar com o amor, virou zombaria. Temos que voltar a desenvolver respeito pela vida. Aumenta o número de fatalistas que acreditam termos atingido algo sem volta. Algo de óbvio deve ser admitido: os métodos convencionais para promover a paz e o bem-estar estão superados. Ao observarmos a vida de hoje, encontramos ódio, violência, preconceito e desprezo pela vida e pelos sentimentos mais nobres.

                Os grandes destaques dos noticiários são as estatísticas de mortos, em guerras convencionais, ou no dia-a-dia de nossas cidades. Defrontamo-nos com a fome, com a desnutrição, as agressões à natureza, e a formação de riquezas cada vez mais desproporcionais aos esforços efetuados para dar mínimas condições de dignidade aos menos privilegiados. Condicionamo-nos à gradativa destruição do potencial humano, esquecendo que o amor é uma alternativa possível.

                Contudo, o amor só pode funcionar quando abrimos mão de normas que continuam a nos paralisar. É preciso desafiar os preconceitos, que classificam o amor como uma tolice romântica, idealista, não intelectual. Precisamos buscar e aceitar o amor, como uma força universal, algo que unifica e promove o bem, acessível a todos que, de fato, o desejarem. Se conseguirmos perceber que o amor tem o poder de afastar mesquinharias que separam as pessoas, que é possível descobrir, através dele, que todos têm um coração, teremos dado o primeiro passo para a busca da felicidade e do entendimento.

                Amar é viver de forma abrangente. Amar convida a compartilhar experiências, muito mais do que a impor concepções. Amar é desafiante, e exige ser maior. Todos buscam algo que dê maior significado às suas existências. É preciso sair de dentro de nós mesmos, intercalando nossos anseios com os anseios dos demais. Só assim poderemos nos tornar melhores amantes e seres humanos mais completos. O amor é fonte de energia, que não diminui com o uso. Ao contrário, ajuda a gerar mudanças e entusiasma quem dele desfruta.

                Muitos são os ricos e os famosos que não viveram o verdadeiro amor. Terão deixado seu nome em autógrafos e documentos, mas, certamente, viveram emoções menores do que aqueles que escreveram seus nomes em alguns poucos corações, mas que guardaram lembranças vívidas e nítidas dos momentos de amor em que tomaram parte. Estas sim são lembranças que ficam gravadas de forma indelével, permanecendo ao longo dos tempos.

                Romances são exemplos significativos do poder de amar. Porque nos levam a entender que palavras como desespero e impossível não têm significado quando se ama. O amor transcende parâmetros sociais e religiosos, com o que, passar pela vida, sem viver um verdadeiro amor, é abrir mão de uma das experiências mais desafiadora, mas também mais satisfatória da existência humana. Nós, humanos, temos uma instintiva necessidade de conviver. E, por estarmos sempre rodeados de gente que conhecemos casualmente, ou fruto de convívio fortuito, chamamos a uns de amigos, a outros de amor, quando são apenas conhecidos.

                Ter um amigo, desfrutar de um amor, é diferente. É algo mais sagrado. Implica no conhecimento, no compromisso de duas pessoas, mesmo que por um período de tempo, através do convívio com conflitos, alegria, infelicidade e mudanças. Implica em esforço constante, cuidado e atenção. E, a maioria das pessoas, ainda que não o aplique, sabe que a melhor forma de ter amigos é sendo amigo. A melhor forma de encontrar o amor é dando amor. Mas que é necessário trabalhar com afinco para identificar e fortalecer os elos destas correntes.

Meditar? Dialogar? Escutar? Porque?


Porque buscamos meditar? O que nos leva a sentir esta necessidade? Como podemos nos educar, e preparar mente e corpo para atingir um estágio minimamente adequado a pensar de forma mais e(n)levada. Como, frente a problemas que nos atormentam, a situações que nos afligem mais profundamente, conseguir a paz necessária para olharmo-nos, como se estivéssemos “fora de nós mesmos”?

Como conduzir-se com isenção ao avaliar, predominantemente, algo em que somos nós mesmos uma das faces da moeda? Sem dúvida, a grande luta a travar, é conseguir ser juiz de si mesmo. E, mais que isso, após “meditar”, decidir ou concluir com justiça, sem benevolência, sem “puxar a sardinha para nosso lado”.

É interessante como as mulheres, muito mais que os homens, possuem a capacidade de se desnudarem quanto a seus tormentos. Algo que a nós pode parecer inexplicável, essa “sinceridade”, essa facilidade, quiçá consequência, de muitas gerações oprimidas pelos conceitos sociais mais machistas, pelo domínio do patriarcado, pela submissão, ao menos aparente, a que eram obrigadas a se sujeitar. Mas está em sua natureza.

Mostram-se, expõem-se, rasgam-se, gritam ao mundo o que lhes fere por dentro, o que as agride por fora. Mas falam, e não deixa de ser um bom primeiro passo para buscar a superação de seus traumas. As pessoas precisam ser ouvidas, necessitam expor suas dores, mostrar suas cicatrizes, avaliar e comparar sonhos e fantasias, comentar experiências, trocar conhecimento. Saber ouvir é um ato de amor, porque representa atenção dispensada a quem dela precisa.

Prestar atenção ao que ocorre em volta, às pessoas que nos rodeiam, ao que se passa com elas, sondar o que lhes vai na alma, tentar descobrir seus costumes e motivações ou medos.  Caminhar pela vida valerá a pena se soubermos captar um pouco a cada dia, um pouco de cada um com quem convivermos, um pouco dos lugares por onde passarmos, um pouco dos hábitos e crenças, um pouco dos sentimentos e fragilidades, um pouco das pretensões, das vaidades, das sutilezas, das futilidades, ou um pouco da seriedade, do empenho, da ética e da dignidade.

Enfim, tentarmos ser testemunhas dos valores – variáveis, diga-se – dependendo das origens de cada civilização, raça, credo ou história do povo que a faz, ou a conta depois. Esta a grande possibilidade que a vida nos oferece, desde que sejamos bons, atentos, e compenetrados observadores.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Amor. Amor? Amor!


Não é possível medir quem entristece mais quando ocorre uma separação. Difícil definir, de forma clara, se o homem ou a mulher. Mas, predominantemente, é aquele que se sentiu deixado, e não necessariamente aquele que teve a iniciativa de afastar-se. Em muitos casos, o que toma a iniciativa é o que mais está ferido pelo outro. Atingiu seu limite de suportar e resolve romper. Mas é, ao mesmo tempo, o que mais sofre, porque, às vezes, sentiu-se abandonado antes da separação, e esta foi apenas um corolário dos fatos que vinham vivendo.

O que estiveram buscando casais que, mesmo se amando, permitiram que o convívio fosse perdendo a emoção? Amor não é algo que se possa ou deva medir pela segurança que inspira. Ao contrário, possui algo de aventura, que ajuda a evitar as desventuras. É mais baseado nas descobertas mútuas do que na predisposição a aceitar o passar dos tempos. Assim, quando um dos dois tenta mudar e não encontra respaldo, a frustração tende a ser enorme, gerando o retorno à mediocridade, e não ao romantismo.

Só se é cativo daquele que nos merece. Quando isto não ocorre, e nos libertamos da servidão, estamos prontos para amar de novo, mais sábios, mais fortes, e mais inteiros. E, quando este momento chegar, tenhamos consciência de que cada pessoa expressa seu amor de uma forma, a seu modo, nos limites de sua percepção e capacidade, nem sempre com a mesma efusão, mas relacionado às próprias necessidades e descobertas. Amar é um constante exercício de descobrir. E nem todos buscam com a mesma intensidade.

É comum haver pessoas que se sentem com o direito de buscar a felicidade, principalmente quando incapazes de enfrentar as pressões de uma vida comum, em que o companheirismo, o respeito e a dignidade não estão mais presentes. Não é necessário que existam brigas e discussões para que isto seja uma realidade. Muitas vezes o silêncio, o calar perante situações de revolta ou mal-estar pode ser um perigoso inimigo do casal. As dores acumuladas um dia explodem, como um vulcão, em proporções que não permitem novas oportunidades.

Amar é querer que sejamos o que somos, ainda que possamos melhorar. Amar é alegrar-se com o crescimento de quem se ama, sem desejar que se torne igual a nós. Amar é incentivar idéias, sonhos, individualidade e futuro. Amar é andar junto pelo prazer de se acompanhar, sem obrigações e sem cobranças.

Amor não deve estar limitado por palavras ou exigências. Como é sempre composto por dois lados, precisa ser livre e forte, brotar sem esforço e sem limites, não exigir horários e contrapartidas, e, no entanto, por contraditório que pareça, manter-se equilibrado, cada um dos lados a dar de si, de forma que incentivando o parceiro a dar ainda mais. E, sem esquecer que é preciso, em primeiro lugar, amar a si mesmo, respeitar-se, admirar-se e ter confiança, componentes básicos do amor.

 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Amar. Amar? Amar!


Sempre existimos! Desde que o mundo é mundo! Já fomos Imperadores, Rainhas, Conquistadores, e Heróis na vida real. Já vivemos todas as mudanças da civilização, ora em meio ao povo, e parte dele, ora enrustidos em altos postos. Já fomos Presidentes, Ministros, Deputados e Senadores, Governadores e Prefeitos. Sim, também já fomos Vereadores, Militares, Juízes, Secretários de Estado.

Já fomos ídolos, e ainda somos, no cinema, na música, na poesia, nas letras e ciências. Já sofremos muito, alguns de nós, pelo papel desempenhado e por sermos levados a não nos mostrarmos de fato! Outros ainda sofrem, mantendo a postura “à moda antiga” de viver a dualidade social. Pais e Mães de família que se obrigaram e ainda se obrigam a seguir uma rota de vida que não é a sua verdade!

Sempre fomos iguais a todos, nos deveres que nos são atribuídos, nas obrigações de nossa labuta, como parte de uma sociedade que exige o crescer e – a cada dia que passa – um melhor preparo. Sempre fomos iguais, ao pagar em dia nossos impostos. Sempre fomos iguais, ora aos ricos, ora aos pobres, porque estamos presentes em todas as camadas sociais.

Sempre estivemos em todos os continentes e raças. Não temos uma cor, uma religião, ou um país, ou continente preferencial. Somos católicos, protestantes, islamitas, muçulmanos... somos do candomblé, podemos ter olhos mais rasgados, nariz mais aquilino, corpo mais esguio ou mais recheado. Falamos todos os idiomas, em todos os lugares. Curtimos as mesmas músicas que todos curtem.

Em muitas ocasiões fizemos história, na pele de grandes homens e de grandes mulheres! Em outras, na pele de grandes cientistas, de grandes teatrólogos, de grandes escritores, de grandes músicos, de grandes intérpretes, no teatro, no cinema, nas revoluções que ocorreram através dos tempos. Em muitas ocasiões abrimos mão de nossos sonhos em prol do sonho maior de liberdade dos povos.

Mas... sempre, em todos os tempos, na história do mundo, marcamos nossa presença. E deixamos nosso legado. No entanto, ainda enfrentamos resistências, ainda encaramos “inimigos” declarados, em sua maior parte, portadores da ignorância e da intolerância. Ignorância por não saberem que “somos o que somos porque nascemos assim”. Como nasce cada um dos seres vivos que habita este nosso planeta.

Intolerância, porque criados, predominantemente, sob uma orientação falso-moralista, de quem tem medo de ser julgado ao mostrar sua natureza. Intolerância que vem dos tempos em que “nossos filhos tinham que sair à nossa imagem e semelhança”, quando, idealmente, deveríamos nos preocupar que cada um deles conseguisse ser feliz e buscar seus sonhos e seus caminhos, com total direito a serem eles mesmos!

Estamos a viver os primórdios de um novo século! Estamos a viver um período em que as redes virtuais ora aproximam, ora funcionam para manter afastamentos, podendo delas se fazer uso para difundir o ódio ou para defender o amor e o amar! Particularmente, estou entre os que sonham com o dia em que todos, indistintamente, ganhem o verdadeiro direito de “mostrar a cara”, amar na forma e no estilo que melhor aprouver à natureza de cada um!  

Um dia, em sala de aula, discuti sobre isto. Fui aplaudido e fui também taxado de “louco”. Pois saibam todos, dos mais antigos e preconceituosos, aos mais modernos, jovens e avançados, que em todas as grandes mudanças por que passou nosso mundo, sejam políticas, sociais, econômicas ou científicas, sempre existiu um louco que fez ou falou o inesperado. Vivamos nossas vidas, na busca da felicidade – algo tão pessoal e específico para cada um. E viva os loucos que inventaram o amor!

 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Vida! Vida? Vida.


Ouço o suspiro da jovem à chamada do amor, o choro da criança que recém nasceu, o ruído de freios, o grito de “assalto”, o estampido do tiro, o baque do corpo, o gemido da mãe, mais um que morreu!

Ando pela noite tão calma e serena, sob um céu estrelado, e mil namorados, que vejo sonhando, vivendo as horas suaves de quem quer amar! Também olho outros, em grupos, passando arredios, gritando a provocar, tentando agredir.

Tenho à frente um rosto, de homem, do campo, bem simples, a quem toda vida, por mais que lhe dê, jamais vai mudar, por tempo que viva, a forma tão bela que o mundo ele vê!

Vejo na vida de hoje, nos seres que existem, naquilo que fazem, na forma que vivem, distância tão grande do que gostariam, do que muito sonharam. Alguns trabalhando, alguns a flanar, alguns a viciar-se. Será isto viver?

Sinto que o “mundo do agora”, de homens cientistas, crianças precoces, com grandes artistas, com tantos progressos, com tudo instantâneo, não gera alegrias. É feito de lutas, é cheio de mágoas!

Penso na crença dos jovens, de outros mais velhos, mulheres e homens, tentando algum dia, se entenderem melhor, esquecendo rancores, talvez por vivência, buscando na terra um mundo melhor!

Penso em nascermos de novo, onde possa haver paz, com gente mais gente, sem pobres, sem ricos, poder ver nossos filhos crescendo a brincar, viverem amando, amar sendo amados, e olharem o mundo amando viver!  

sábado, 12 de janeiro de 2013

Pitadas sobre Meu Pai


(dedicadas a meus filhos que, alguns, pouco tempo tiveram para conviver com meu Grande Herói e Exemplo de vida)

1946 - Em Rivera, Uruguai, cidade fronteiriça com Sant’Ana do Livramento, esta no Rio Grande do Sul,  no Restaurante Dona Maria, a Anistia Internacional promove um jantar de confraternização, no qual serão homenageados ex-exilados do mundo inteiro, representados por Carla Hiriarte, famosa escritora chilena.

Gay da Cunha, trabalha no restaurante como garçom, e está presente ao evento, sem que saibam os proprietários quem é ele. Ao final do jantar, ao momento em que chamam a homenageada para entregar-lhe uma corbelha de flores, honraria maior da noite em que se brada pela democracia, esta reconhece José, perfilado frente aos convidados, junto aos demais garçons.

-Quero enviar esta coroa de flores a uma mulher que tem dividido sua vida com um dos mais aguerridos heróis de nosso tempo. Quero entregá-la para que saiba o quanto nós chilenos, espanhóis, brasileiros e tantos outros povos irmãos, que aprendemos a admirá-lo pela coragem com que tem lutado pelo mundo, temos de carinho por este brasileiro que nos dá a honra de estar hoje à nossa frente.

E, para surpresa de todos os presentes, completa:

-Por favor, companheiro José Gay da Cunha, um dos Comandantes das Brigadas Internacionais que lutaram na Espanha contra o domínio Franquista, venha receber as flores. E as leve para a Eugenia, em meu nome e de todos aqui presentes.

Chegando em casa, já madrugada, quando acorda a esposa, José a vê olhá-lo com espanto, como se pensasse que ele havia enlouquecido, para comprar a quantidade de flores que trazia. Conta-lhe o ocorrido e, juntos, sem que os filhos pequenos que dormiam tivessem percebido a cena, abraçam-se e choram.

Mas não choravam tristezas. Eram lágrimas da gratidão, de, mesmo na dificuldade que se viam obrigados a passar, amigos havia pelo mundo, e muitos que os queriam bem e lhes reconheciam o valor pela luta que haviam abraçado.

-o-o-o-o-o-o-

1975 - Na LTB, filial Bahia, fui um dia visitar alguns amigos. Conversando com Selma, falou-me de outro amigo seu, dono de uma agência de propaganda, Julgava ser possível conseguir colocar-me. Atendiam clientes fortes, como o Banco Econômico e o Ministério de Comunicações. Ficava na Ladeira da Barra, belo local, quase frente à entrada do Iate Clube, uma vista deslumbrante do mar, principalmente em dias ensolarados. E, em dois dias, lá estava eu a conversar com Rodrigo, seu diretor.

A experiência que trazia comigo, o conhecimento técnico, e a vantagem de ser viajado, ajudaram a chegarmos a um acordo. Era o começo de minha vida de “contato” em uma agência, assim designado o cargo que ocuparia. E, entre outros clientes, menores, me coube atender o Econômico, o que gerou dois grandes sustos, e uma das grandes emoções que passei na vida.
Há um procedimento padrão quando se iniciará um trabalho, representando uma agência de propaganda, junto a um cliente: é enviado um Currículo do novo Contato, para conhecimento e análise por parte da Diretoria que tem por atribuição definir a seleção, e autorizar as mídias a veicular. Não fui exceção.

Contudo, dois dias após enviarem meu Currículo, fui convocado a uma reunião com o Diretor Financeiro Administrativo do Grupo Econômico, sem uma antecipação de motivos que o justificasse. O diretor da agência demonstrava preocupação, estava visivelmente tenso, e um tanto pálido quando me chamou à sua sala: - Victor, você tem algum problema com cadastro bancário? Possui algum protesto? É réu em alguma ação na justiça?
Quando lhe afirmei desconhecer qualquer tipo de problema, fosse um dos citados, fosse qualquer outro, só então, me comunicou o pedido que recebera. E, no dia seguinte, à hora agendada, lá estávamos nós dois, no suntuoso prédio Sede, na Cidade Baixa. Subimos ao oitavo andar, nos anunciamos perante a Secretária, e, poucos minutos depois, fomos chamados a entrar.

Apresentação feita, Zietelmann virou-se para meu diretor e falou: - Por favor, quero conversar particularmente com seu funcionário, Não se incomode, mas nos deixe a sós, Sobre sua mesa, de forma bem destacada dos demais papéis que a ocupavam, estava meu Currículo, cópia de minha Carteira de Identidade encima.
Sentou-se, ofertou-me, com um gesto de mão, uma cadeira à sua frente, esperou que me sentasse, e sem maiores delongas, perguntou: - O nome de seu pai é José Gay Cunha? – Sim, Dr Zietelmann, respondi sem pestanejar. É meu pai. – Este seu pai é o José Gay Cunha, que esteve preso na Frei Caneca, e depois, na Ilha Grande?

Era uma enxurrada de perguntas; - É o que está citado por Graciliano Ramos em seu livro “Memórias do Cárcere”? Que, por um tempo, exilou-se no Uruguai, e que esteve na Espanha a lutar contra o General Franco? É o brasileiro que André Marty nomeou Comandante dos Brigadistas Internacionais, quando estes se retiravam da Guerra Civil Espanhola? Que foi ferido em combate por lá?
Minha mente trabalhava rápido. Ele conhecia praticamente toda a biografia de meu pai. E, por instantes, me passou pela mente o filme de minha infância. – Cuidado, diziam alguns colegas de escola primária. Meu pai falou que ele é filho de um Comunista! – Olha lá. Ele não assiste às aulas de religião. É porque o pai é Comunista! – No meu time ele não joga! O pai é Comunista! E, assim por diante.

Havíamos, eu e meus irmãos, sofrido momentos de perseguição e provocações. Muitas vezes, em reação natural às agressões, que chegavam a ser físicas, fui para casa, literalmente, de cara quebrada. Não havia como escutar tanto desaforo, não havia como manter-se tranqüilo, mais ainda, quando se era, como no meu caso, bastante educado e cordial. Mas, muito cedo, descobri meus limites.
Era difícil, muito difícil, me fazer sair do sério. Mas, quando o conseguiam, apesar de muito magro, franzino, pernas e braços muito finos, tinha um brio que crescera comigo. Agora, estava eu ali, sentado frente a um diretor de um grande banco nacional, na expectativa da seqüência de seu metralhar verbal. Meu maior temor era perder o emprego que custara tanto a conseguir. E que tanta alegria me trouxera. Mas, não era um dia ruim.

– Bem, Victor, vou chamá-lo pelo nome porque você é muito jovem. Tem, certamente, idade para ser meu filho. – Vinte e nove anos, Dr. Zietelmann. – Então é isso mesmo. Eu tenho quase sessenta, e desde meus quinze anos que acompanho passo a passo a vida de seu pai. Tenho, por ele, uma profunda admiração. Li tudo que encontrei pela frente a seu respeito. Conheço Jorge Amado, um de seus ex-companheiros. Li Graciliano e outros. Então, quero lhe dizer uma coisa, Victor: orgulhe-se de ser filho deste homem! E permita-me, agora, dar-lhe um abraço apertado.
Levantou-se, contornou a grande mesa em que trabalhava, e me abraçou, como um velho amigo o faz. Emocionado, retribui seu abraço. E o acompanhei com os olhos a retomar seu lugar. Sentei novamente.

– Olhe “guri”, não é assim que vocês gaúchos chamam os meninos? Agora você tem um compromisso maior comigo: quando seu pai vier à Bahia, você fica obrigado a me apresentar a ele. Quero ter o prazer de dizer-lhe o tanto que o admiro e respeito. Parabéns pelo trabalho. Sendo filho de quem é, você só pode ser um cara correto e competente. E para se lidar com verbas de propaganda, no caso de nosso Banco, um tanto avantajadas, há que se ser valente. É muito dinheiro em jogo. Estaremos juntos, a partir de agora. Vou mandar seu chefe entrar. E dar-lhe parabéns pela nova contratação.
-o-o-o-o-o-o-
Entre 1973 e 1975, é acionada uma das maiores operações de “caça às bruxas” pelos militares, que, em todo território nacional, saem em busca de militantes e ex-militantes que ainda usufruíam de certa liberdade de ação. Meu pai, por exemplo, que, por ocasião do golpe, fora chamado para uma sessão de “questionamentos” sobre sua possível participação em ações subversivas, é – literalmente – seqüestrado na Caixa Econômica Federal, aonde trabalhava.
Uma das grandes ironias deste momento é que o Ministro da Justiça, em exercício, a serviço dos militares, é Daniel Krieger, gaúcho, que, em 1930, junto com meu pai, e grande parte de familiares seus, os Flores da Cunha, levara Getulio Vargas ao poder, em levante que se iniciara no Rio Grande do Sul. Além de mantê-lo desaparecido por dez dias, ainda que o soubéssemos preso, sua casa é invadida e, praticamente, destruída por vândalos de uniforme verde oliva.
Entre outros notáveis, Paulo Brossard dispõe-se a falar, em nome da família, para que tenhamos notícias sobre seu paradeiro. Depois de quase duas semanas, José Gay da Cunha é devolvido à vida normal. Sobre seu convívio com aqueles que o aprisionaram e lhe aplicaram torturas, nada comenta. Tinha um lema: “Prefiro não sujar a boca, falando de meus inimigos. Pronunciar seus nomes seria uma forma de homenageá-los, o que não merecem.”
Contudo, algumas atitudes, algumas medidas de resguardo, haviam que ser tomadas. Meu pai pede transferência para Salvador, onde estou morando, e passamos, logo depois, com a vinda de minha mãe e dos três irmãos mais novos, a dividir o mesmo teto. Este afastamento temporário do Sul os irá tranqüilizar um pouco, tirá-los de foco.
-o-o-o-o-o-
Zietelmann morava em Arembepe, bairro afastado do centro de Salvador, alguns quilômetros após o aeroporto, outrora uma praia que abrigara acampamentos de hippies, e que, com o crescimento imobiliário, transformara-se em região de Condomínios de algumas belas casas, muito junto do mar, espaçosos terrenos, frondosa vegetação e tranqüilidade.
É até lá que vou com meu pai, cumprir a promessa feita em nossa conversa no Econômico algum tempo atrás. Estaciono, descemos do carro, Zietelmann à porta, ainda que de bermudas, mas, vestido elengantemente, como lhe era de costume, abre os braços e fala:
- Hoje completo um ciclo de vida. Um ciclo que retrata a espera de quase cinqüenta anos. Chegue aqui grande Comandante. Deixe que lhe dê o abraço guardado com tanta admiração e conhecimento de suas lutas pelo Brasil e pelo mundo!
Cumprimentam-se efusivamente. Um forte e demorado abraço, com típicos tapas fortes nas costas,  como eram o respeito e a emoção que demonstravam.
- Venham. Vamos entrar e fazer um brinde, que já tenho tudo preparado, e – depois – falo eu primeiro. Tenho inúmeras perguntas e minha aguçada curiosidade que só cresceu desde minha juventude.
Ali, junto aos dois, passei perto de quatro horas como mero ouvinte, assistente privilegiado de entrevista e depoimento, com narrativas detalhadas e fatos e personagens de nossa história, novos alguns deles, mesmo para mim, criado tão junto e tão companheiro. Foi algo como que o desenlace festivo de uma busca e premiação.
E quem mais ganhava era eu, com certeza. Olhar aqueles dois homens, já com boa idade e muita vivência, cada um a seu modo, com os olhos marejados e a voz, por vezes, trêmula, embargada, não querendo sair, fruto das rasteiras que nos prega o coração, é até os dias de hoje um dos melhores “retratos” que trago na história de minha vida.
Durante nossa tarde desfilaram Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Filinto Muller, Jorge Amado, Luis Carlos Prestes e Olga Benário, Carlos Mariguela, Apolonio Soares de Carvalho, André Marty, Comandante Mor e Herói da Guerra Civil Espanhola, e tantos outros, alguns que, ainda jovens, ficaram no caminho, em território estrangeiro.
Vi desfilarem os Movimentos de 1930, 1932 e 1935, exílio, anistia, o fim do Estado Novo, a implantação da Ditadura que ainda perdurava, Império dos Generais. Acorreram lembranças da Europa, Paris, Madri, Toledo, Barcelona, os Pirineus, etapas dos ajustes de poder pelo mundo, quando um certo Hemingway não passava de repórter cobrindo guerras esparsas.
E quando Picasso, ainda jovem, mas já vivendo na França, pinta Guernica, em registro de um “exercício” da aviação ítalo-alemã. A Segunda Guerra Mundial serpenteava seus primeiros passos. Um grande e detalhado desfile de história, atualidades e perspectivas, sombrias perspectivas, quanto ao rumo que nosso Brasil parecia ainda ter pela frente.
Despedimo-nos, e quando saímos para a Pituba já se insinuava mais uma suave noite baiana. Calados, percorremos o nosso caminho de volta, no silêncio da solidariedade, da cumplicidade e da admiração crescente que eu nutria por este grande homem que foi meu pai, um quixotesco idealista, pertencente a uma raça de corajosos justiceiros que se desfez no tempo.
                                                                                   -o-o-o-o-o-

A estada de meus pais e irmãos em Salvador foi de tempos serenos, ainda que todos lutassem com a adaptação a novas culturas, um clima radicalmente distinto do que haviam convivido no sul, ora sol escaldante, ora chuva intermitente, mas um conjunto de fatores, por vezes, inóspitos. Principalmente meus irmãos, em escolas com currículos bastante voltados à região, sentiram mais dificuldade para adaptar-se.
Sua volta ao sul, agora para morar em São Paulo, foi uma notícia bem recebida por todos. Para mim, para Victor, meu filho, restou uma fatia de saudade e a falta de suas presenças, principalmente à noite, quando jantávamos juntos e nos reuníamos para conversar, principalmente para escutar meu pai a contar suas andanças e lutas pelo mundo afora, ou escutar minha mãe ao piano, quando nos atrevíamos a cantar, cada um, um pouco. Yuri, então com treze anos, ensaiava os primeiros passos de uma brilhante carreira de cantor.

-o-o-o-o-o-

 

 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pode Ser (Saudade)


 
Pode ser... que eu esteja na praia, me sentindo só,

estando contigo no pensamento, nas mãos nervosas,

na boca ansiosa, nos olhos que choram tua saudade!

 

Pode ser... que meu olhar se espalhe, perdido nas ondas,

e te sinta chegando cristalina, na meiguice da água se jogando,

preguiçosa, suave, arrebatadora... qual marolas invisíveis.

 

Pode ser... que te sinta em mim, forte como um oceano,

avançando, como avançam as marés, se impondo,

marcando nas areias os rastros de sua passagem!

 

Pode ser... que te sinta como a brisa do mar, perfumada,

que infiltra em todo recanto, e sem sentir, traz com ela

a vida, sem perceber, junto dela traz encanto!

 

Pode ser... que te veja toda, na tranquilidade que recebo,

respirando teu perfume no ar que me rodeia, lutando com a saudade,

e me perceba, tentando dela fazer a indiferença de quem odeia!

 

Pode ser... que continues comigo... em meus olhos que te buscam,

na ausência que o corpo me estremece, na boca entreaberta,

em minhas mãos carentes, que acenam a pedir tua presença!