terça-feira, 2 de julho de 2013

Caleidoscópio (uma "cena" de 1954)


O ano de l954 iniciou tumultuado no país. Getúlio se debate enfrentando crise após crise. Em maio anuncia um aumento de cem por cento no salário mínimo, o que fora proposto por João Goulart, seu Ministro do Trabalho, provocando violentas reações de descontentamento nas áreas conservadoras. A cada dia fica mais tensa e difícil a situação. Opositores de todos os partidos e espalhados por todo o Brasil bombardeiam o Catete com acusações de corrupção e desmandos dos aliados do presidente Vargas. Carlos Lacerda, dono de uma das mais ousadas oratórias, e promotor dos mais violentos ataques ao governo, sofre um atentado na Rua Toneleros.

O Major Rubens Vaz, da Aeronáutica, com Lacerda na ocasião, sofre ferimentos que o levam à morte. Através da Tribuna da Imprensa, jornal de sua propriedade, Carlos Lacerda, também ferido no atentado, acusa Getúlio de ser o mandante do crime.

Sem a concordância ou autorização do Presidente da República, a Aeronáutica assume as investigações do episódio, interrogando todos os suspeitos de envolvimento. Reúnem-se provas que incriminam Gregório Fortunato, guarda-costas do Presidente, que é imediatamente preso no Galeão. As pressões tomam rumo insuportável.

As Forças Armadas iniciam movimentações para forçar Getúlio a renunciar. O velho líder assume postura de quem está acima dos acontecimentos. Leva seu dia-a-dia normal no Catete, preocupando parentes e aliados com sua aparente tranquilidade. Recebe a notícia de que é iminente sua queda do poder. Os militares estão dispostos a exigir sua saída através de um golpe caso não apresente imediatamente a renúncia. Após jantar, recolhe-se a seus aposentos no Palácio, sabendo-se finalmente cercado e sem saída.

Na manhã de 24 de agosto de l954 o Brasil acorda com a notícia da morte do Presidente. Getúlio suicidou-se com um tiro no coração, deixando o poder, a vida e para os que não lhe entenderam a atitude, uma carta manuscrita horas antes de matar-se. Todos, companheiros, aliados, inimigos políticos ou pessoais, o povo em geral, são apanhados de surpresa pelo último ato de um governante, cujo orgulho foi maior que seu próprio tamanho.

O país assiste manifestações populares de solidariedade ao líder morto. E seu cortejo na Capital da República, seu corpo a caminho de São Borja, reúne, além de políticos de expressão nacional, uma massa humana nunca vista em outra ocasião. O país para, chocado com os fatos, muito choro, desespero, como se houvesse morrido um pouco de cada um.

Em carta ao pai, Márcio comenta os fatos dos quais participou de perto, em meio ao povo, no caminho do Catete à Cinelândia. Não seria necessária. No Rio Grande do Sul os acontecimentos foram fartamente divulgados por todos os jornais. Acaba de forma trágica uma longa etapa de nossa história. A pátria chora a morte do ex-ditador que, com o passar do tempo, ensinou o Brasil a querê-lo bem. Em sua terra, mesmo aqueles que dele discordaram sentem-se agora meio órfãos, como se um grande vazio tomasse conta do cenário político nacional. Contraditória foi sua vida e sua maneira de optar nos momentos de decisão, como são as reações que causa sua despedida da vida.

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