sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Em 2012, podia ser na Palestina!

Abaixo, trecho do livro "Um Brasileiro na Guerra Civil Espanhola", escrito por José Gay da Cunha, meu pai, editado pela Editora Globo, em 1946, e reeditado em 1986, quando se completavam 50 anos desta luta que levou à Espanha idealistas de todo o mundo, para defender o povo, vitorioso nas urnas, contra os militares golpistas, que tomaram o poder, ajudados estes últimos, por Alemanha e Itália, o que fez da Espanha o principal "laboratório" da segunda grande guerra mundial.
Milhares de homens, das mais diversas nacionalidades, acorreram à Espanha, formando as Brigadas Internacionais, lutando para defender a democracia e o direito à liberdade, sendo José Gay da Cunha um de seus Comandantes. Mesmo depois de ferido em combate, parcialmente recuperado, voltou às batalhas, dirigindo seus companheiros até a data de retirada final.

Mas, poderia ser um retrato da barbárie que vemos agora a ocorrer na Palestina.
 
....Naquela noite não era possível sair a andar pelas ruas de Barcelona, pois a capital da Catalunha era castigada sistematicamente  com bombardeios em massa. O Jardim Zoológico fora quase todo destruído e um enorme chimpanzé vagava pelas ruas desertas, assustando quem se atrevia a correr por elas para abrigar-se dos bombardeios que se repetiam agora.

Nós estávamos no subterrâneo da praça Catalunha, e as bombas caiam com ruído ensurdecedor. Saímos quando a sirene tocou. Um grande edifício de oito andares, que até poucas horas antes era usado como refúgio para as crianças bascas, estava completamente destruído pelas bombas de ar líquido.

A avenida Py y Margall era um mar de sangue, no qual algumas crianças de dois ou três anos jaziam mortas e atoladas. Bombeiros e voluntários da Cruz Vermelha tentavam salvar aquelas que ainda tinham um pouco de vida, em meio aos entulhos e escombros. Nesse momento um destacamento de polícia estabelece cordões de isolamento.

Motociclistas da guarda de assalto abriam caminho para um “Lincoln” fechado. Do automóvel desceram um General Francês, um Coronel Inglês, um Coronel Suiço, um Coronel Finlandês e um Capitão Chileno. Formavam o Comitê de Controle da Liga das Nações, que vinha verificar se a artilharia nacionalista estava bombardeando objetivos militares.

Sob os escombros, gemiam ainda dezenas de crianças, junto de nós, gritando para que as salvassem. Em um mar de sangue, mais de duzentas crianças estavam  mortas, amontoadas, formando algo que parecia mais um lodaçal, de carne humana. E a Liga das nações mandava uma Comissão de Países da “Não Intervenção”, para verificar se o refúgio das crianças era um objetivo militar.

No mundo inteiro, no dia seguinte, os jornais, principalmente os alemães e italianos, comunicavam para a tranquilidade da civilização, que a heroica aviação nacionalista havia bombardeado o porto e as fortificações de Barcelona. E comunicavam que membros do Comitê de Controle estavam na Espanha, verificando “in loco” que não haviam objetivos não militares atingidos.

Quatrocentas crianças bascas refugiadas na Catalunha, separadas de suas mães, para que não morressem debaixo da metralha dos civilizadores que haviam destruído a cidade sagrada dos católicos de Euskadi, Guernica, haviam sido mortas por uma bomba de ar líquido, fabricada na Itália.

Quatrocentas almas inocentes e puras entraram no céu naquele dia. Naturalmente, os “salvadores” do Cristianismo, no dia do Juízo Final, se apresentarão ao Pai Eterno e dirão:

- Pai, lutando contra bárbaros que queriam dominar o mundo, nós evitamos que essas pobres crianças se corrompessem, vivendo em meio a maus exemplos, e saçvamos suas almas, mandando-as junto a Ti!

Tudo na Espanha fazia com me lembrasse de minha infância. Nesse dia de assassinato coletivo das crianças em Barcelona, Cristo me veio à mente: - Amai-vos uns aos outros. Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o reino dos céus!

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