Em 1953, em Ipanema, bairro da zona sul de Porto Alegre, mudamos para a Rua Leblon. Ipanema é um bairro que, ao ser criado, homenageava o Rio de Janeiro, com suas ruas principais nomeadas de Leblon, Flamengo, Gávea, Leme e outros.
Tornou-se, por possuir uma bela praia às margens do Guaiba, um local no qual viviam muitas famílias e, no verão, algumas outras, de nomes mais tradicionais, ocupavam suas casas de “veraneio”, como se fala, no sul, até hoje designar as casas de praia.
Ali, de dezembro a fevereiro, vinham os Agrifoglio, os Coufal, os Truda, os Foergens, e outros que a memória não me ajuda muito a focar nos nomes. Então, nós, moradores de sempre, convivíamos com um estilo de vida mais refinado que o habitual.
Mas, voltemos á Rua Leblon, para onde nos mudamos sendo ainda cinco irmãos. Nela nasceu Icaro, pois acho que Moira, Yuri e Graziela já foram frutos da morada definitiva, na Rua Flamengo.
Na Leblon, esquina com a Avenida Guaiba, morava Ary Rego, um grande radialista que fazia um programa chamado Clube do Guri, marca de um chocolate em pó, um tipo de Toddy, da Neugebauer á época. Foi Ary Rego quem lançou Elis Regina na carreira de cantora.
Na mesma rua, frente a ele, morava o Sr Brausulino, pai da Yone, que, nos dias de baile, cantava boleros nas festas de nosso clube, a SABI, Sociedade dos Amigos dos Balneários de Ipanema. Para nossos olhos, uma mulher linda, de voz romântica, que nunca esquecemos.
Já, uns cem metros adentro, afastando-se da Avenida Guaiba, moravam Elba e José Cidade, pais, à época de Eurico e Eliane. Ele colorado doente, o que, além de passar a “doença” aos filhos, fez de mim um parceiro e admirador imediato. Eu, não só, era fanático por futebol, mas torcedor do Internacional, e anti-gremista radical.
José era um homem bastante calado, de poucas falas, mas muito educado. Nos tratava – as crianças – muito bem, como se adultos fossemos. Elba, uma mulher bastante típica daquele tempo, dedicada inteiramente à família, e ao mesmo tempo, moderna em sua alegria contagiante, em sua forma de nos “adotar” em sua casa, aonde recebia os amigos dos filhos para conversar, para ver televisão, ou para sairmos juntos a alguma reunião.
Não tenho como precisar a data, mas nós mudamos depois para a Rua Flamengo, e eles para uma casa muito bonita, na esquina da Avenida Tramandaí com a praça principal do bairro. Nós a chamávamos de “a casa do Betinho”, um jovem, cuja família ali residira por bom tempo, também amigos nossos.
Nossa amizade cresceu. Com Eurico eu jogava futebol na praia, e de Eliane, amiga da outra Eliane, minha irmã, ainda que mais nova, fiquei tão próximo que, quando ela enfrentou dificuldades em matemática, a ajudava com “aulas particulares”. Na verdade, estudávamos juntos, acho que eu estando dois ou três anos à frente dela, no ginásio.
Um pouco depois, já trabalhando, e saindo muito cedo de casa, éramos companheiros no ponto do ônibus, quase madrugada, eu saindo para trabalhar e Eliane, se não me engano, para o bairro do Menino Deus, para o Colégio Maria Imaculada. E continuávamos cada vez mais amigos.
Contudo, importante deixar claro, minha grande referência na família era Elba Salles Cidade, uma mulher fantástica. Amiga de sempre, grande ouvinte, alto astral, acompanhada por outra amiga, acho que a chamávamos de Dinda. Dinda era mãe de Carlinhos, este, uns quatro anos mais velho que eu.
Havia ela se separado de seu Valdemar, e o Carlinhos acabou casando com a Diva, filha de seu Hugo Ritter, dono do Armazém Ritter junto com o irmão Walter. Lembro que dona Iracema era a mulher de seu Hugo, e que Carlinhos conseguiu ir trabalhar na Varig, o que era uma referência vitoriosa. O irmão de Diva chamava-se Ivo, e tinha algumas quedas por Diana, outra irmã minha, ou vice-versa.
Então, muitíssimas vezes, aos finais de tarde, eu ia para a casa dos Cidade, onde conversava, comia bolo ou pudim feitos por Elba e Dinda (que ela me perdoe se confundo seu apelido, vez que não era seu nome), ficávamos longo tempo a ver televisão, e, vez em quando, eu sentava com Eliane para estudar.
Tinha por Eliane um enorme carinho e afeição. Éramos parceiros e confidentes, donos de um tipo de entendimento raro entre jovens como nós. Conversávamos muito, trocávamos idéias, e assistíamos programas como o de Moacyr Franco, cheio de suas músicas românticas, ou o de Flávio Cavalcanti, que quebrava os discos cujas músicas considerava de má qualidade.
Foram anos de muitas alegrias e de momentos enlevantes. Quando a Eliane, minha irmã, estava por fazer quinze anos, resolvi presenteá-la. Comprei uma saia branca plissada, uma blusa floreada, e um tecido cinza claro. Com este, pedi a Elba que fizesse um vestido “tubinho”. Ela o fez, com o prazer com que tudo fazia, e Eliane ganhou meus presentes, os primeiros de algum valor que dei a um irmão.
Ainda hoje lhe sou grato por ter-me proporcionado esta alegria e realização. Me senti homem, afinal era um presente razoável, com o qual Eliane ficou lindamente vestida, além de radiante. Lembro da cara animada de Elba me entregando o “tubinho”, e depois me perguntando como havia reagido minha irmã.
Com o passar do tempo saí de Ipanema, mudei de Porto Alegre, voltei, mas nunca deixei de visitá-la sempre que me era possível. Elba, mais que ninguém, era minha referência em Ipanema, meu retrato maior de uma época de muita felicidade e crescimento, como pessoa acima de tudo.
Não sei quantos anos se passaram depois que a visitei em sua casa na Rua Dea Coufal. Antes disso já o fizera na Rua da Gávea, onde depois foi morar Eliane, sua filha, minha querida amiga, que também visitei, e ainda na sua outra casa, na Rua Imperial. Mas, certamente, foram visitas que me refizeram e me levaram a reviver cenas que estão entre as mais amadas e gentis que já vivi.
Recentemente, muito recentemente, encontrei Elba através do Face Book. E a chamei de “minha eterna Musa”! E é verdade! Musas não são apenas mulheres cheias de formas, que mexem com a libido dos homens. Muito mais que isso, são mulheres especiais, que marcaram nossas vidas, e cujo carinho haverá de estar em nós para sempre.
Por tudo isto, pela saudade que me tomou hoje, junto com a alegria de relembrá-la, foi que resolvi escrever. É o recurso que disponho para que, este beijo enorme e o abraço que lhe mando hoje, fiquem registrados de forma mais duradoura.
Posso dizer, sem nenhum medo de estar cometendo qualquer exagero, que Elba é uma mulher inesquecível! Que me perdoem seus herdeiros, como o José, seu filho mais novo, mas são coisas que devem ser ditas, porque ela as merece!
Elba, com muito amor, deste seu fã e amigo, Victor!
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