Como
muitos outros, inicialmente para sobreviver no mundo do trabalho e, logo
depois, nas relações interpessoais, fui obrigado a me modernizar. Precisei
aprender a usar telefone celular. Ainda lembro que eu era um ignorante no
assunto, e via meus filhos com os seus, discando, falando, fazendo cálculos,
digitando “torpedos”, mas não tinha a mínima intenção de aderir.
Em
meu escritório, uma rede interna, cheia de ramais, me permitia falar com quem
eu trabalhava e com quem era de fora. E os P(A)BX’s custavam fortunas, para
comprar e para instalar depois. Tinham um probleminha: quando faltava energia
ficávamos incomunicáveis, ou, se mais modernos, falava-se ´pelo número
principal.
Mas
tudo tem um limite. E meu dia chegou! Aniversário, filhos reunidos em volta,
todos sorridentes, e minha forte impressão de que não ganharia nada. Ninguém
trazia nas mãos um pacote que pudesse sugerir meias, gravatas, camisas,
sapatos, bermudas. O silêncio e os sorrisos de todos me criavam uma sensação de
surpresa e certa indignação.
Até
que um deles se adiantou e falou: - Pai, a partir de hoje, você será um homem
mais moderno! e, tirou do bolso algo do tamanho de uma carteira de cigarro.
Como fumante que era e ainda sou, olhei desconfiado. – Deve ser uma
“pegadinha”, pensei. Os presentes virão depois! Mas nenhum outro se mexeu.
Todos me observavam como no aguardo de algum desfecho obrigatório.
Resignado,
abri o pequeno embrulho. Era um celular! Devem ter percebido minha expressão de
espanto. Aquilo era uma agressão disfarçada, uma imposição cheia de desfaçatez!
Como tinham chegado àquele ponto? Meus filhos queridos, a quem dei sempre tanto
carinho, a quem contara histórias e cantara músicas, do meu tempo, é verdade,
para que dormissem.
-Fique
tranquilo pai! Nós vamos ajudar a treiná-lo! É simples demais! ... cada um
tinha algo pronto para me animar. Mas, com certeza, minhas feições denunciavam
toda minha contrariedade. Estavam a me enfiar goela abaixo a aceitação da evolução.
Assim, sem anestesia! E os dias seguintes foram amargos. Em algumas semanas eu
conseguia apertar a tecla que me ensinaram para atender chamadas. Mas, para
fazer, eu, uma ligação, ai a história já era muito complicada.
Bem
recordo de um dia em que, no centro da cidade, mais ou menos às quatro da tarde
o celular toca. Pego-o, e penso que atendi. Mas ninguém falava. Nada do outro
lado da linha. Silêncio total. Toca de novo, e de novo, e de novo... e meu
constrangimento e preocupação só aumentavam. Na tela, eu via um desenho que
parecia um envelope. Nada mais que isso.
Ao
chegar em casa, preocupado, falei a Aninha: - Olha aqui pra mim! Tem alguma
coisa que eu não sei o que é, mas esta p.... não completa as chamadas hoje!
Ela, pacientemente, mas com uma agilidade que me impressionava, mexeu em vários
botões, e me disse: - Nada demais! Lhe passei vários recados! Aqui está; - Por
favor, lembre de comprar o saponáceo! – Maridinho, você volta tarde? – Amor, te
amo!
Eu
estava indignado! Como ela, minha mulher, conspirava assim contra minha pouca
capacidade de entender aquele minúsculo monstro com que haviam me presenteado? Era
uma bofetada! Eu, sempre o conselheiro, eu, que ajudava todos a entenderem dos
problemas da vida, eu que os orientava, inclusive a ela ás vezes, agora era
vítima de um complô! Então, humildemente, perguntei: - Como é que eu faço?
A
emenda foi pior do que o soneto! Ela me olhou, assim como quem olha um inseto,
e falou: - Simples! Vê só! e saiu a apertar botões, ora pressionando, ora
teclando, ora fazendo movimentos que eu não acompanhava nem que tivesse uma
filmadora na mente. – Pronto! É assim! Entendeu? e eu, sentindo-me o pior dos
idiotas, um imbecil completo, tive que responder: - Não! Não entendi nada!
Bem,
era apenas o início de meu calvário. Mas, nada que em mais duas ou três
semanas, meio escondido, e perguntando-lhe tudo de novo, não conseguisse
decifrar. Considerava-me agora um novo gênio da informática! Sabia discar,
receber chamadas e até ler “torpedos”. Mas, revoltado, lembrava que, em
criança, torpedo era um míssil, que lançado de submarinos, afundava navios
durante a segunda guerra mundial.
Assim
foi minha iniciação. Contudo, ainda que em meu escritório já existisse uma rede
de computadores, em minha mesa de trabalho eu tinha duas máquinas de escrever.
Uma pequena, portátil, e uma de “carro” grande. Apelidaram-me de
“pré-histórico”. Era o preço de meu apego ao que considerava meus bons
costumes. Afinal, desde os quatorze anos aprendera a datilografar. E o fazia
com grande destreza!
Começar
no computador foi um desastre ainda maior. Ganhei um Note Book de pequenas
dimensões. Estava escrevendo um livro. À noite, entrava madrugada adentro,
alinhavando anotações, rebuscando minhas memórias, mas conseguindo tocar.
Afinal, usar o teclado era como que usar minha Olivetti Lettera 44. Até que
numa fatídica noite, lá pela uma da manhã, começa tudo a piscar. A tela ficava
preta, voltavam as letras, ficava preta de novo.
Michelle,
uma de minhas filhas estava dormindo, e era quem mostrava muita habilidade
quando a via “manobrar” aquela máquina infernal. Gritei: - Michelle!!! Rápido! Venha
cá! ela não demorou mais que alguns segundos. – Que foi pai? – Ora Michelle! Estou
apavorado! Vou perder duzentas páginas! Tá tudo apagando! eu não sabia o que
mais dizer. Ela, com toda calma, pegou um fio que pendia solto do computador,
ligou na tomada e falou: - Pronto pai. Tem que ligar para carregar a bateria. E
eu descobri que computador tinha que ligar na rede elétrica!
De
certa forma, o episódio também me alegrou. “Ele” agora dependia de mim! Se não
ligasse seu fio na tomada, ele pifava! Ah! Ah! Ah! Podia dar-lhe o troco! Mas,
com muita luta e grandes esforços, consegui, não sem antes ter que entender
que, a cada duas ou três páginas, havia um novo botão, dos tantos que ele
tinha, que eu devia acionar para gravar o que já havia escrito. Não fazendo
isso, corria o risco de perder, de repente, meu trabalho de parte da noite.
Ainda havia outros botões (cacete, eram muitos!!!!!!!!!) que podiam
centralizar, e até corrigir as minhas palavras!
Imaginem
vocês! Tantos anos lendo, escrevendo, dando aulas, e uma merdinha de quinze por
vinte centímetros, tinha a audácia de me informar que devia corrigir uma
palavra. Fiz então, por minha conta, uma descoberta fantástica, que muito me
regozijou! Ele não era tão inteligente assim! Como fora projetado por
americanos, raciocinava como eles. E americano é burro! Ele fala “eu ficar aqui”,
“o moça é bonita”, coisas deste tipo. Em algumas ocasiões travamos brigas
intensas. Ele me corrigia, e eu devolvia as palavras a meu modo.
Desta
forma passaram-se alguns anos, anos de solidão, o que até parece título de
filme antigo. Anos de concentração e experiências. Estas, por vezes desastrosas!
Volta e meia, achando que estava a fazer uma coisa que queria, distraidamente,
apertei um botão indevido. Pronto! Sumia tudo de minha frente! E meu amor
próprio já não me permitia “apelar para os universitários”. Tentava ler
manuais, mas o resultado, quase sempre, era a repetição do caos já instalado em
minha mente.
Finalmente,
nos dias de hoje, chegamos, digamos assim, a um convívio suportável. Toleramo-nos,
e nos agredimos ou provocamos pouco. Mas, dizem os sábios do oriente que uma
desgraça nunca vem só. Surgiram as redes sociais. Comecei a escutar falar muito
no que me parecia ser um novo derivado de leite, um tal de Orkut. Mas, nas
prateleiras de supermercado nunca encontrei esta marca. Mães mais humildes,
quase sem formação escolar, muito bem poderiam perguntar aos filhos: - Tomou
seu Orkut hoje? Mais uma vez, sem nada perguntar (sou um aprendiz consistente e
obstinado, além de muito observador), descobri que se tratava de outra coisa.
Na
verdade, pouco ou nada me afetou. Vivia em paz, enviando meus e-mails, pessoais
ou de trabalho, e redigindo-os a meu modo, esclarecendo tudo, sem usar mais que
duas ou três abreviaturas, tipo “obs” e “att”, ou “Ass”. Isto eu já fazia na
máquina de escrever! Um belo dia, que não registrei a data, começam as pressões
para que eu tenha meu “feice”. Agora era a grande moda! Todos o tinham. Não
precisavam mais dos telefones. Falavam-se por computador, assim, direto,
instantâneo!
Novas
agressões surgiram. E eu me mantinha indiferente às pressões. Até que, uma nova
e grave traição ocorreu! Ao chegar em casa, antes do jantar, Aninha, sorriso
nos lábios, me abraça e fala seu veredito: - Fiz um “feice” em seu nome! Quase
congelei. E agora? Não havia como escapar. Minha esposa, minha doce amada fazia
parte da conspiração que, pelo visto, não teria fim nunca! Puxou-me até o
computador, mostrou-me uma “página”, assim disse ela que se falava, onde estava
meu nome, fotos nossas, alguns dados pessoais, e uma boa porção de “conversas”.
Então
descobri que o “feice” era Face! Face Book! Novas tragédias pintavam em meu
horizonte. Foi uma tsunami devastadora! Até porque, a meu ver, os que “falavam”,
ou não sabiam escrever, ou tinham preguiça de fazê-lo por inteiro. Encarei o
desafio e fui em frente. Ela mesma já selecionara uns “amigos”, basicamente,
irmãos, primos, filhos e um ou outro a mais. As coisas não pareciam tão difíceis.
Até o dia em que me aparece uma foto pequena, o nome da pessoa, e algo mais ou
menos assim: - Nahum! Vc tb tm 1 pq! Bjk!
Era
o fim! Haviam códigos secretos! Devia existir um Bin Laden na “rede”. Para mim,
Nahum era nome de turco, de sírio-libanês, ou de alguém com origem em um destes
países do oriente médio. Mas não! Por preguiça de escrever “não”, a pessoa escrevia
da forma que escutava: nahum! E, segundo Aninha, o recado queria dizer: - Não!
Você também tem um porque! Beijoca! Para mim era demais. Estavam a assassinar o
português! Não, não matavam o português dono da fruteira, mas o idioma. Para
mim já era D+!
Comecei
a rir. Ou melhor a kkkkkkkkkkkkkkkk. Ou a ahau,ahua,ahua. Ou a rsrsrsrsrsrs.
Começava
a ser um delirante de carteirinha! O pior é que um cara contava uma desgraça, e
um seu amigo clicava em “curtir”! Estaria, este “amigo”, a mostrar sua alegria
com o fato do outro ter se ferrado? Ou estaria chorando junto? Dúvidas que
levarei para o túmulo! Porque, em outras ocasiões, alguém escrevia um poema, “colava”
algo que nunca havia escrito, e o mesmo amigo ia lá e...”curtir”. Aos poucos eu
avançava em minha loucura, que desconfio, nasceu comigo.
O
tempo é solução para tudo! Fala-se que um chinês disse isso quando olhava a
sogra agonizante e não queria que a mulher percebesse suas reais intenções. Para
mim, uma verdade relativa. Até porque a minha está viva até hoje, e telefona
para a filha e pergunta: - “Nosso” marido está em casa? e quando isto ocorre,
já sei que alguma pia entupiu, um cano vazou, caiu uma prateleira ou é preciso
trocar uma lâmpada. Eu sou o “marido” da família, só porque possuo a mania
miserável de consertar as coisas mais simples. E, isto é incrível, parece que
atualmente, a maioria dos homens prefere pagar para que outro marido resolva
alguns problemas de suas mulheres.
Há
poucos dias soube de uma história que envolve uma amiga, cujo nome não revelo,
devido minha natural discrição. Ela foi a uma boate, encontrou um cara, não sei
bem se falaram “boa noite” ou “oi” um pra o outro. O que sei é que terminaram,
duas horas depois em um motel. Ela não lembra aonde era, pois estava “alta”.
Dia seguinte, radiante, envia, pelo Face, um recado ao mancebo: - Nossa noite
foi fantástica! Vamos repetir? e, em resposta, recebeu um “curti”. A mesma
amiga, “In Box”, mandou um recado para outra amiga: - Fulana... não sabes que
merda! O cara tinha pau pequeno! E, na mesma hora, “curtiu” o “curtir” que
havia recebido do infeliz, cujo nome só sabia que, no Face, era Zeus!
Olha...
está difícil. Já não sei se vou em frente com minha ideia original, de escrever
este texto e publicá-lo, ou se o “deleto”. Viu só? Já falo como computador!
Peguei a doença! Ninguém mais escreve mais que duas ou três letras, ou duas ou
três palavras! E eu, aqui, feito um idiota, comentando minhas mazelas com o “mundo
virtual”. É, pode parecer incrível, mas tem até gente que já goza no
computador! Falta-me descobrir quais são os botões. Nestas coisas ainda sou á
moda antiga. O botão comigo é outro!
Se
gostou, “curta”, se quer ajudar a defender minha causa, “compartilhe”! Mas não
me abandone sem respostas. Ainda que seja para colocar ao lado de sua pequena
foto e de seu nome: - PQP!!!!!!!!!!!!!!