terça-feira, 25 de setembro de 2012

O Quintal (crônica escrita em 1989)


É dia e amanhece lento. A claridade veio chegando suave, meiga, pujante. E como de outras vezes, nem percebi o instante em que deixou de ser noite. As trevas, em sua intimidade, deram lugar aos raios de sol. E tão absorto estava neste crescer do tempo, que não vi a noite se apuberdar em dia!

Saio ao quintal e cumprimento as árvores em pensamento. Sei que me entendem. Cuidei-as desde plantadas, matando as parasitas que as tentavam destruir, podando-as quando necessário, para que crescessem viçosas. E colhi seus frutos, que me ofertaram orgulhosas.

Então, quando no quintal falo com elas, como falo hoje, elas balançam, dançando ao vento, demonstrando alegria com minha presença. E lhes pergunto pelas crianças que nelas amarravam seus balanços, que lhes roubavam os frutos ainda um tanto verdes, e que, por vezes, sem pensar na dor que lhes causavam, quebraram seus galhos ou arrancaram suas folhas e flores.

Crianças que elas amaram e protegeram com sua sombra maternal. Que alimentaram com o sabor de sua oferta. E, intrigado, não tenho resposta. Minhas árvores se aquietam e deixam cair-lhes o orvalho, como a provar-me a saudade dos meninos.

Volto-me então aos pássaros, que cantam em suas copas. Também a eles cumprimento, e atento em seu canto, para ter alguma pista das crianças levadas que muitas vezes os assustaram ao querer mostrar sua admiração. Crianças que os prenderam em gaiolas, para melhor desfrutá-los, em gesto comum de amor que aprisiona.

E, em resposta, recebo seu bater de asas, como a festejarem a fuga de quem, enlevado, os esteve a admirar por tanto tempo. Então, busco na terra minhas respostas. Terra silente que traz em si ainda o cheiro do dia novo que começa. Terra orgulhosa de servir de palco a jogos e folguedos, feliz por tanto ser pisoteada por pés pequenos que a amaram, e nela descobriram parte da vida.

Terra que guarda, no capim que lhe cresce acima, as marcas dos caminhos mais percorridos. E suas rugas são as trilhas que o viver deixou. Também ela segue em silêncio. Então, me olho pra dentro, e me vejo adulto, mas ainda criança.

Cheio de vivência, colhida nas estradas que por mim passaram, rodeado de pessoas que entendi e nem sempre me entenderam, muitos amigos que tive a alegria de encontrar, cheio de ideais que nunca perdi. E repasso minha história, soma de anseios, esperanças e amores.

E percebo, finalmente, que nem as árvores, nem os pássaros, nem a terra querem responder. Eles não podem. Assim como para mim, para eles também o tempo passou, e a vida correu seu caminho.

E... as crianças cresceram! Eu é que não percebi. Tão absorto estava na vida, que não vi o tempo. Não vi o tempo passar, e transformá-los em meus amigos de hoje.

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