terça-feira, 25 de setembro de 2012
Chuva (1984)
1984, Olinda, Pernambuco.
À ocasião, Rita, uma garota vinda do interior, ajudava a cuidar meus filhos, assim como um tipo de babá. Mas era nada mais que uma garota de 14 anos, que me via chegar à noite, jantar e sentar à mesa, Lettera 44 à frente, e ficar por um bom tempo a datilografar.
Um dia, sentou-se, os meninos já dormindo, e me perguntou o que eu fazia tanto naquela "coisa". Expliquei-lhe que escrevia, crônicas, poesias, coisas que me vinham à mente. E que o fazia desde meus 14 anos. Ela, então, retrucou: - Mas como é que se faz isso?
Custei um pouco a encontrar uma resposta, -Bem, disse-lhe, a gente precisa ter uma motivação, algo que desperte nosso interesse, algo que nos traga uma lembrança. É o que chamamos de inspiração.
Nesse exato momento começou a chover, e forte, diga-se. Como a garagem de minha casa tinha telhado de aluminio, o ruído era muito forte. Para falarmos tinhamos que levantar a voz.
Então, olhando-a, lhe falei: - Veja, não está chovendo? Pronto. Vou escrever algo sobre a chuva.
E, a seguir, está "Chuva", que nasceu naquela noite.
Chove...e a água que cai sobre o telhado, é fria como teus olhos,
que já não me amam.
Chove, e a luz do relâmpago, que corta as trevas, é como tua indiferença,
que retalha minha saudade.
Chove, e o rio que leva as águas para longe, é como teu destino,
que te afastou de mim.
Chove, e o vento que carrega a nuvem que se vai, tem a mesma força,
que já teve nosso amor.
Chove, e a chuva fina final de tempestade, é frágil e profunda,
como a lágrima que queimará teu rosto!
Hoje, Rita deve estar com mais de quarenta e poucos anos, e deve ser Mãe. Quem sabe me lê e revive um pouco dos dias passados em Olinda.
AMOR (escrito em 1972)
E ela, muito jovem ainda, me perguntou:
- O que é o amor?
Respondi-lhe:
- É tudo que sentimos quando há felicidade! O encontro, o afago, o silêncio, o choro... É o sorriso, o entendimento, o sonho, a luz, a escuridão e a dor... que magoa, sem ser reconhecida. É o crer, o saber sem ouvir, o dizer sem falar. É o impossível, o mistério, o inevitável... É o céu, as estrelas, o sol, a lua, o mar, a terra e os homens, os bichos, as plantas... é a harmonia do mundo. É sempre e, a cada vez, o primeiro. E é sempre o maior de todos, renovado, cheio de entrega...
- Mas não te compreendo! disse-me.
- Porque talvez não tenhas amado ainda! respondi.
O Quintal (crônica escrita em 1989)
É dia e amanhece lento. A claridade veio chegando suave, meiga, pujante. E como de outras vezes, nem percebi o instante em que deixou de ser noite. As trevas, em sua intimidade, deram lugar aos raios de sol. E tão absorto estava neste crescer do tempo, que não vi a noite se apuberdar em dia!
Saio ao quintal e cumprimento as árvores em pensamento. Sei que me entendem. Cuidei-as desde plantadas, matando as parasitas que as tentavam destruir, podando-as quando necessário, para que crescessem viçosas. E colhi seus frutos, que me ofertaram orgulhosas.
Então, quando no quintal falo com elas, como falo hoje, elas balançam, dançando ao vento, demonstrando alegria com minha presença. E lhes pergunto pelas crianças que nelas amarravam seus balanços, que lhes roubavam os frutos ainda um tanto verdes, e que, por vezes, sem pensar na dor que lhes causavam, quebraram seus galhos ou arrancaram suas folhas e flores.
Crianças que elas amaram e protegeram com sua sombra maternal. Que alimentaram com o sabor de sua oferta. E, intrigado, não tenho resposta. Minhas árvores se aquietam e deixam cair-lhes o orvalho, como a provar-me a saudade dos meninos.
Volto-me então aos pássaros, que cantam em suas copas. Também a eles cumprimento, e atento em seu canto, para ter alguma pista das crianças levadas que muitas vezes os assustaram ao querer mostrar sua admiração. Crianças que os prenderam em gaiolas, para melhor desfrutá-los, em gesto comum de amor que aprisiona.
E, em resposta, recebo seu bater de asas, como a festejarem a fuga de quem, enlevado, os esteve a admirar por tanto tempo. Então, busco na terra minhas respostas. Terra silente que traz em si ainda o cheiro do dia novo que começa. Terra orgulhosa de servir de palco a jogos e folguedos, feliz por tanto ser pisoteada por pés pequenos que a amaram, e nela descobriram parte da vida.
Terra que guarda, no capim que lhe cresce acima, as marcas dos caminhos mais percorridos. E suas rugas são as trilhas que o viver deixou. Também ela segue em silêncio. Então, me olho pra dentro, e me vejo adulto, mas ainda criança.
Cheio de vivência, colhida nas estradas que por mim passaram, rodeado de pessoas que entendi e nem sempre me entenderam, muitos amigos que tive a alegria de encontrar, cheio de ideais que nunca perdi. E repasso minha história, soma de anseios, esperanças e amores.
E percebo, finalmente, que nem as árvores, nem os pássaros, nem a terra querem responder. Eles não podem. Assim como para mim, para eles também o tempo passou, e a vida correu seu caminho.
E... as crianças cresceram! Eu é que não percebi. Tão absorto estava na vida, que não vi o tempo. Não vi o tempo passar, e transformá-los em meus amigos de hoje.
Porque? (meditação, em 1971)
Me perguntaram:
- Porque sorris?
- Porque tenho um ideal e luto por ele! respondi.
Perguntaram então:
- Porque choras?
Ao que disse:
- Porque sei que nem todos lutam por algo.
Continuaram:
- Consegues amar?
Respondi:
- Sim... muito. Ainda que nem sempre seja amado da mesma forma. O amor exige ser companheiro... ter cumplicidade... entregar-se sem limites, mas, ao mesmo tempo, lutar pelos mesmos anseios... algo como equilibrar-se na tênue linha dos sonhos, ainda que se viva na realidade.
- Mas és feliz? insistiram.
- Sim, porque ajudo a viver! Porque estendo a mão, tento mostrar o caminho... porque sofro todas as dores, como todos, mas luto com elas, sem permitir que minhas feridas me mudem o andar... porque olho nos olhos, e falo o que me parece precisarem, sempre que me procuram...
- E se ainda hoje fosses morrer, que mais dirias?
- Nada! respondi. Pois entendi a vida.
Então afastaram-se, e foram embora.
Encontros / Despedidas (escrito em 1969)
A mala aberta, ainda vazia, o peito tremendo, coração pulsando...
Tua partida chegando, no dia a dia.
E a saudade aumentando, sem chegar ainda!
Por trás da mala vazia, o eco do tédio que se forma,
as paredes enormes... o teto desabando.
Um dia chegaste como quem ia ficar,
Agora partes, como quem deveria permanecer.
Hoje és arrancado pouco a pouco de nossos dentes,
és apagado de nossos dedos, de nossos sentidos,
que apenas te adivinharam...
E, por um período, contiveram a vida de ter-te por perto.
Distraidos... nunca percebemos teu aconchego.
Vieste leve e livre, como chegam os pássaros, festejando o verão...
E, em torno de nós, e junto conosco, voaste,
sem ter mesmo nunca nos olhos a permanência.
Mas... nós não vimos....
tão enlevados e absortos estávamos com tua presença!
INSONIA (outubro de 2001)
É noite, meio de madrugada, e meu sono, que insiste em não voltar, faz com que passeies em meus pensamentos. Ora inteira, braços, sorrisos, palavras e gestos. Ora tuas partes soltas, mãos que tanto dizem de teu carinho, olhos que, sem quereres, traduzem o que já é amor.
E é leve passear por tuas imagens, como leve é conviver com tua alegria de viver. Transmites serenidade na firmeza e expontaneidade de tuas reações mais simples. E, se necessitas de apoio, o buscas tranquila, sem te dar ares de superioridade ou orgulho desnecessários.
És vivida e não fazes de tuas mágoas um peso a carregar. Sabes ser a criança que todos poderiam ser, sem a irresponsabilidade ou a inconstância, mas mantendo a doçura no afago e no olhar. És mulher! Com tua presença que irradia luz, talvez despertes ciúmes, naqueles que não sabem tê-la.
Carregas o destemor dos valentes, porque aprendeste a enfrentar, ainda que nem tudo domines, mas tens a sensibilidade de sofrer calada e te permitir o choro quando a dor é injusta e inoportuna. És companheira que grita forte, que exalta o triunfo, que canta alto, e sabe calar.
És a amiga que pega junto, que dá uma força, que sabe ouvir. Se preciso, és conselheira, se necessário sabes opinar firme, sem titubear. És, com certeza, mais do que já descobriste ser, pois és mulher e és gente.
E, neste redemoinho de lembranças, minha noite passa bom pedaço, antes de me permitir dormir novamente. Então, saio pouco a pouco de minha insonia sadia, que deita comigo toda noite para o descanso do sonho, onde, quem sabe, terei a felicidade de te encontrar novamente.... inteira, braços, sorriso, palavras.... ou tuas partes... mãos, olhos....
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