sábado, 3 de agosto de 2013

Caleidoscópio: cenas de um Brasil sombrio


O Brasil continua vivendo sob a égide dos Atos Institucionais do regime militar. Os comunistas estão divididos entre várias tendências. Os Festivais de Música Popular servem de palco para protestos traduzidos em canções, e a televisão cria programas com forte apelo para difundir modismos entre os jovens, numa clara tentativa de desviar sua atenção dos problemas nacionais. Carlos Lacerda, Juscelino e João Goulart, em companhia de outros oposicionistas ao governo, fazem parte agora da Frente Ampla, movimento destinado a lutar contra a ditadura, cujas reuniões se dão no exterior.
Os militares conseguiram uma façanha insólita: reaproximar e reunir os opostos.
Não há como evitar as escaramuças entre estudantes que protestam e as polícias militares e o exército, tantas vezes levado às ruas para exercer a repressão. Exército que deveria nos defender dos agressores de nossa pátria. Os quartéis se transformaram em prisões e algumas de suas acomodações são câmaras de tortura e morte, fortemente resguardadas do povo e da imprensa, esta calada pela censura que lhe é imposta.
A União Nacional de Estudantes ganha dimensão não planejada, reflexo da luta em que estão engajados seus participantes, muitos mortos na rua ou desaparecidos. Toda uma geração chega à maturidade dividida entre os que tentam pensar - e sofrem por isso - e os que se mantém à margem dos acontecimentos.
No Vietname, soldados americanos, sofrendo constantes revezes e protagonizando dantescas cenas de covardia, mantém uma luta sem perspectiva. Pesa a intransigência dos donos do poder mundial, tentando manipular a seu modo os destinos de povos distintos.
O radicalismo mostra as garras. Martin Luther King, líder pacifista negro, é assassinado nos Estados Unidos, o que se repete pouco depois, levando Robert Kennedy, então candidato à presidência do país.
O Comando de Caça aos Comunistas, formado por extremistas de direita, na verdade assassinos comuns disfarçados sob uma sigla, e com a cumplicidade das autoridades, espalha terror em diversas cidades brasileiras. O povo mais simples e menos informado se confunde com a divulgação dos fatos.
A Europa ferve. Na França, estudantes e trabalhadores param o país clamando por mudanças e obrigando De Gaulle a compor-se com conservadores e negociar o apoio do exército a seu governo. Oliveira Salazar, um dos mais antigos ditadores, abandona o governo em Portugal. Sua saúde decadente conseguiu o que o país tentou por décadas sem sucesso. Na Tchecoslováquia, os soviéticos esmagam a Primavera de Praga, movimento liderado por Dubcek, Primeiro-Secretário do Partido Comunista de seu país, que dava início a modificações na vida política e econômica.
As garras do totalitarismo não tem bandeira preferencial. As contradições de todo regime de força são nítidas. Nas guerras, impostas com o pretexto de proteger direitos, idéias ou regimes, países são devastados, gerações são aniquiladas, a natureza destruída, a cultura esquecida e a liberdade manipulada. Nas ditaduras, mesmo não imperando uma guerra declarada, o pensamento é amordaçado, os questionamentos ocultados, as notícias elaboradas de acordo com as conveniências e os direitos redefinidos, na dimensão do considerado permitido. E o direito mais primordial de um povo, qual seja o de poder criar seus líderes, é anulado pela voracidade com que as forças do poder saem à cata de suas sombras.

Engana-se o carrasco, quando executa quem luta por idéias. Eliminou uma arma, esqueceu da munição. O ideal, o sonho de liberdade, a luta pelo direito de trilhar seu caminho, nasce com cada um, mas está além de suas dimensões, ficando nos outros e na história, mesmo após sua morte. É esta munição, volátil e concreta, que atravessa o tempo e perdura para sempre. Porque não está no sangue que pode ser derramado. Mas fica na atitude, no exemplo que não se esquece, na coragem da palavra que vaga em ondas, distribuída e captada por novas gerações.

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