segunda-feira, 24 de junho de 2013

Caleidoscópio (apenas uma "cena")

(Livro que publiquei em 2001)


Elenita, juntamente com seis companheiros, rodava na noite, em direção ao Gasômetro. Iriam reunir-se para definir os últimos passos da próxima ação. Sabiam que não lhes seria fácil atingir os objetivos. Planejavam entrar no depósito de armas de um quartel, com o auxílio de dois soldados da guarda, na verdade, companheiros de luta. Descendo a Riachuelo pararam os carros próximo ao Colégio das Dores, com diferença de alguns minutos um do outro, tomando o cuidado de deixá-los em locais e sentidos opostos. Caminharam em grupos de três, descendo a General Portinho no pequeno trecho que os levaria até a Fernando Machado.

Ali, na segunda casa à direita, teriam alguém a esperá-los para escutar sua senha.  O primeiro grupo, do qual Elenita fazia parte, chegou à frente da casa. Deram o toque combinado na porta. Demoraram-se alguns segundos sem obter resposta. Escutaram o que lhes pareceu passos fortes na rua, não demorando a se transformarem em vultos que se aproximavam rápido. Ouviram quem julgaram ser o Rodnei, um negro possante, voz de barítono, companheiro de várias refregas, gritar:

-Retirar! Fomos traídos!

Não houve tempo para reagirem. Uma primeira rajada de tiros atirou os três contra a parede. Elenita caiu, quase encostada à porta da casa. Sentia que um dos seios lhe fora desfeito. Levou a mão ao peito encontrando o calor do sangue que escorria dos ferimentos. A seu lado, tentando apanhar a arma, Artur se mexeu rápido, entre gemendo e resmungando alguma coisa. Atirou e acertou um dos seus agressores. Artur tinha boa pontaria. O homem caiu morto, a cabeça com um grande buraco no que fora seu rosto. Veio a segunda rajada, de muito perto, quase as armas os tocando, jogando seus corpos em movimentos desconexos forçados pelo impacto.

Numa fração de tempo, que o misto de consciente e inconsciente não lhe permitiu avaliar, Elenita viu passar os rostos de Carlos, Ricardo, Paulo, Catita, seu pai. Viu as crianças da fazenda, em fila, entrando na sala de aula. Ora mais claras, ora esmaecidas, as figuras desfilavam por sua mente, numa velocidade atroz e, ao mesmo tempo, como se estivessem em câmara lenta. Ouviu quando um dos algozes falou:

-Tenho certeza que é ela. Vou conferir.

Abaixou-se sobre seu corpo, virando-lhe o rosto de modo que pudesse vê-lo. O revólver encostado entre o pescoço e o queixo de Elenita. Aproximou seu rosto do dela. Sorriu, depois gargalhando.

-Viu só? É ela mesma.

Num esforço para reunir forças que já não tinha, Elenita abriu os olhos e viu quem era. Havia descido o capuz. Rafael, companheiro de algumas reuniões, apresentado como vindo de São Paulo, do grupo de Marighella. Quase não podia mexer a boca. A pressão do cano do revólver a impedia de respirar o pouco que conseguia, arfando, quase no estertor. Ainda assim, num impulso que lhe veio das entranhas, cuspiu em seu rosto, manchando-o do sangue que lhe chegava à garganta.

-Filho da puta! Traidor!

Foi o que conseguiu dizer antes que ele apertasse o gatilho.

-Vamos. Rápido. Tragam o caminhão, falou o militar depois de baleá-la.

Estacionaram junto da esquina. O motor em movimento, jogaram os corpos, inclusive o do militar que morrera, sobre a carroceria. Isso feito, subiram todos à cabine e saíram, descendo a Vasco Alves até a Washington Luiz. Em trinta minutos chegaram à ponte, naquela hora totalmente vazia de tráfego. Apagaram as luzes dos veículos. Dois homens tomaram distância de uns cinqüenta metros, cada um para um lado, ficando em guarda. Dois outros retiravam os corpos, depositando-os no chão.

-Quem é o que matou o Fonseca?

-Este aqui Capitão, disse um deles, apontando para o cadáver desfigurado de Artur.

-Muito bem. Corte seus bagos. E não esqueça de furar todos antes de jogá-los no rio. Se não furar, podem boiar.

-Sim Capitão Volnei.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Crônica do espanto e da indignação!

Impossível, eu que tenho o hábito de escrever sobre vida, amor, sonhos, entendimento, e busca de ideais, tentar manter-me em meus temas prediletos. Estou – como estamos todos – estupefato com o que vejo em nosso Brasil, privilegiado pela natureza, mas transfigurado em um oriente médio medieval.
Assim é que nada me resta, além de divagar sobre significados, todos atinentes ao quadro de horrores que passou, de alguns dias para cá, a ser a rotina de nossos noticiosos, mesmo quando estes são dominados pela tendência – oficial, diga-se - a esconder ou a maquiar a realidade. Voltamos sim, aos tempos das cavernas.
Optaram, os que compõem a máfia do poder, por impor-se à custas de recursos aos quais já havíamos arquivado em nossas memórias. E aplicam a Truculência: Característica ou particularidade daquilo que é brutal; que denota grosseria; atrocidade. Ação que demonstra excesso de violência ou crueldade.
O Vilipêndio é a regra – não clara – de tentar calar a voz do povo, que se mostra, para surpresa dele próprio, indignado. Ação orquestrada de fazer com que alguém seja humilhado; provocar seu rebaixamento e desvalorização. Esta lei – dos mais fortes - é um vilipêndio contra os Brasileiros, com completa ausência de consideração. Tornamo-nos os “inimigos” da vez.
Como vândalos, “tribos” de pm’s seguem ordens espúrias! E como vândalos contribuem para o declínio – para a desmoralização - de nossa frágil democracia. Os vândalos, personagens da história, provavelmente não eram mais destruidores que nossos bárbaros modernos, pois são estes os que destroem, sistematicamente, na busca de arruinar o que ainda nos resta de mais valioso.
Canalhice, é como podemos designar esta tentativa de roubar-nos o direito de defender nossos pensamentos. Sim, o que temos visto e sofrido, é ação própria de canalhas. Estão, os que “comandam” nossas metrópoles, esquecendo de levar em conta moral e honestidade. A barbárie, prova inconteste da falta de civilização, é retratada na crueldade, e na ferocidade praticadas.
Sim, o que ocorre é um composto enojante de atrocidades, desumanidade, sevícias, e impiedade. A tentativa de tornar normal, de não sentir nem demonstrar culpa pelo cometido, de não se arrepender, exibe, torna gritante, a alucinação de nossos “fuhrer’s”, enclausurados em suas casamatas. entendendo que fazem o absolutamente normal.
Covardia é um vício que reflete falta de coragem, medo, timidez, poltronice; fraqueza de ânimo; pusilanimidade ou, ainda, ânimo traiçoeiro. É o oposto de bravura e de coragem. É algo que te força a não tentar, a não lutar por simples medo, por indecisão, por fraqueza. Te induz a deixar de fazer algo, desistir, abandonar ideais, pela falta de confiança em si próprio.

Ao longo de nossa história temos sido traidos de maneira constante! E isto gerou a decepção, e o repúdio que, agora, movem o andor das manifestações. Traição é tipo de ato de insuportável deglutição. Na forma como é adotada – sistemáticamente – no Brasil, só pode gerar rupturas. E, a falta de fé, o engodo da confiança não correspondida, chegou a limites insuportáveis.  

O que menos importa agora é se esta tortura vai nos impor dor física ou psicológica. A crueldade adotada, nas tentativas de intimidação, qual punição dos tempos da ditadura, para obter confissões, é retrato falado do prazer daqueles que – hoje – tornaram-se nos torturadores de plantão. Há “filintos muller” entronizados em palácios de governo. E possuem o nazismo nas veias.

Déspotas! Entre os antigos, aqueles que exerciam o poder soberano, sem direito à sucessão e sem investidura regular. Mas, em nosso mundo de hoje, não há lugar para a tirania! Estes podem chegar ao poder de forma democrática, por iludirem o povo incauto. Mas, após algum tempo – como ocorre neste momento - mostram a cara, tornando-se ditadores no sentido explícito.
Ignóbeis senhores feudais, que vivem como viúvas, usufruindo de suas fortunas amealhadas sem pudor, mas sem nobreza. Desprezíveis; vis, baixos, abjetos, asquerosos, desprezíveis, imundos, nauseabundos, nojentos, repelentes, sujos, sórdidos, e torpes. Ladrões, bandidos, criminosos, delinqüentes, punguistas de plantão, corsários aventureiros, velhacos, estelionatários, salafrários, aves de rapina.
Acostumaram-se a chafurdar na corrupção. É a devassidão dos costumes. Crápulas, que ao longo de anos, recriaram as Capitanias Hereditárias! E, hoje, as temos, muito nitidamente implantadas, na Bahia, no Maranhão, no Pará, apenas para usar alguns exemplos. Simples a proposta. Hoje eu tomo conta, mato, usurpo, me privilegio do poder que disponho. Passado algum tempo, meus herdeiros recebem o império já “lavado”.
E os pequenos biltres, ainda sentem-se no direito de encher os pulmões e se auto-intitularem homens de bem! Nada mais tranqüilo e nefasto. A nós, homens comuns, que de fato trabalham e constroem o país, as migalhas. Uma vida de trabalho, a vergonha de pensões irrisórias, e as infindáveis filas de hospitais inóspitos. E, últimos anos de vida, a triste consciência de pouco ou nada ter a fazer.
É contra isto tudo que, agora, o Brasil vai às ruas. Sim, as ruas, que são a “maior arquibancada”. Insólita situação a que chegamos. Nunca um slogan enquadrou-se tão instantaneamente, tão sob medida, ao que se passa na sociedade. Mas é bastante simples: o povo está cansando das Maria Antonietas, e não tem como comer os brioches. Há, por um lado, a descoberta de que se pode contestar, e por outro um vasto arrazoado de motivos para fazê-lo.
É por ai, minha cara Presidenta Dilma. É chegado o momento de consagrar-se ou naufragar de forma solenemente trágica. Você pode sim, ainda que contrarie as expectativas predominantes, assumir seu lugar nesta passeata. E voltar às suas origens de luta, em meio aos braços do povo, clamando pelo Brasil que um dia sonhou. Ou, usar o silêncio da cumplicidade, manter-se aliada à súcia, e cometer o suicídio político.
O cenário está armado. Os próximos atos nos levam a um ano de eleições. A impressão que temos todos é de um cansaço geral com o engodo já tornado histórico. Somente algo novo poderá trazer perspectivas de um horizonte mais ameno. Mudar este quadro, ajustar estas tendências, retomar sua luta após alguns anos, agora sob intensos refletores, é decisão pessoal e intransferível, além de inadiável.